Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Lúcia Guimarães

Terceira campanha de Joe Biden repete problemas das duas primeiras

Ex-vice presidente foi derrotado em Iowa em 2008 e plagiou discurso em campanha de 1988

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Ele promete continuar em campanha. Está cansado. Os doadores estão fugindo. Os eventos públicos atraem menos eleitores do que os dos rivais. O caminho de Joe Biden para a Casa Branca já foi interrompido duas vezes, em 1988 e 2008. 

Mas os obstáculos, desta vez, vão além da coleção habitual de gafes. Ou do fato de que ele continua a reinventar a própria biografia.

Na semana passada, os dois pré-candidatos democratas que completariam 80 anos na Presidência se submeteram, cada um, a uma sabatina de uma hora com o público, moderada por jornalistas da rede CNN.

Bernie Sanders, 78, que acaba de enfartar, apresentou-se lépido e decisivo. Joe Biden, 77, sem qualquer problema conhecido de saúde, soava combativo, mas não emanava a energia de quem vai disputar a eleição geral mais brutal de uma geração.

Um jornalista do site Politico comentou recentemente que, quando repórteres que cobrem as campanhas se encontram, um tema comum de conversa é a surpresa com a aparência frágil do ex-vice-presidente quando o veem pessoalmente pela primeira vez.

O candidato democrata Joe Biden durante evento de sua campanha em Columbia, na Carolina do Sul - Sean Rayford/Getty Images/AFP

No livro de memórias que lançou em 2017, Biden associou a decisão de não se candidatar à sucessão de Barack Obama ao câncer do filho mais velho, Beau, que morreu em maio de 2015.

Múltiplas testemunhas, na condição de anonimato, contam outra história.

Obama era genuinamente amigo do vice, mas não parecia acreditar que Biden tinha condições de proteger seu legado. Ele pressionou Biden a dar a vez a Hillary Clinton, a adversária que o próprio Obama tinha surpreendido em 2008.

No ano passado, Obama teve inúmeras conversas com Biden e tentou dissuadi-lo de tentar de novo.

“Você não precisa fazer isto,” teria dito Obama, com tato, na condição de privilegiado observador das imperfeições do companheiro de oito anos de governo.

O obstinado Biden, convencido de que teria derrotado Donald Trump em 2016, replicou que não conseguiria se perdoar se não tentasse livrar o país do atual presidente.

Até ser destronado pela primeira vez pelo senador Bernie Sanders numa pesquisa nacional nesta semana, dias depois do fiasco do caucus de Iowa, Biden passou o último ano como favorito, um fato que intrigava observadores da campanha desorganizada e titubeante.

Biden começou a disputar eleições há meio século. Ele chegou ao Senado em 1973, um mês depois de perder a primeira mulher e a filha de um ano num acidente de carro.

Mas suas duas campanhas presidenciais anteriores foram um presságio para 2020. A campanha de 2008 foi abortada depois de uma série de gafes. E houve até um espantoso comentário que, em 2020, teria sido bem mais radioativo pelo tom racista. Biden se referiu ao futuro chefe e amigo, o então novato rival Obama como "o primeiro afro-americano mainstream articulado, inteligente, limpo e de boa aparência" a entrar na disputa presidencial.

A campanha de 1988 foi brilhantemente radiografada, em 1992, por Richard Ben Cramer em “What it Takes: The Way to the White House” (o que é preciso: o caminho para a Casa Branca).

O livro é um tijolo de 1.047 páginas e contém talvez a prosa mais elegante do jornalismo político moderno nos Estados Unidos. Acompanha os seis pré-candidatos dos dois partidos na eleição vencida por George Bush pai.

Cramer morreu prematuramente há sete anos e recebeu elogios de Biden, apesar dos lapsos revelados pelo autor que, Biden confessou, fizeram com que ele se conhecesse melhor. Mas o insight não haveria de se mostrar consequente.

A campanha de 1988, marcada por caos, invencionices e algumas revelações desairosas sobre o passado na escola de Direito, naufragou quando o assessor de um pré-candidato rival vazou para repórteres a prova em vídeo de que Biden havia plagiado, palavra por palavra, um discurso do então líder trabalhista britânico Neil Kinnock. 

Uma pausa para pensar no atual estado da política eleitoral e da ética na Presidência americana, e os pecadilhos de Biden no século passado parecem deslizes de costumes em salões vitorianos.

Da primeira vez, o vigoroso, atraente e empático Joe Biden tinha sido recrutado como pré-candidato pelo Partido Democrata. Quando Bush assumiu, companheiros continuaram sussurrando no seu ouvido, volte logo a se candidatar.

Ele respondia que, no Senado, estava no lugar certo, desfrutando a vida e o segundo casamento.

Afirmava que havia tempo bastante pela frente, e ele saberia entender quando chegasse sua hora.

E isto, Cramer escreve, “dava a ele sua abençoada ausência de febre. Haveria tempo, na sua vida, para deixar claro, na mente de todos, que ele era um bom caráter. Se ele vivesse o bastante, este momento também chegaria.” 

O momento que há décadas escapa de Joe Biden chegou, mas não parece ser a sua vez.

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