O início do governo Biden confirma o temor nas tensas semanas seguintes à eleição, que culminaram na violenta invasão do Capitólio em 6 de janeiro. Não há trilhões de dólares que o novo governo despeje na economia para combater desigualdades, promover justiça social ou criar empregos em obras de infraestrutura que possam apaziguar uma parcela dos americanos.
A polarização é o modelo de negócio da ultradireita republicana, cuja viabilidade no poder depende de agitar um eleitorado cada vez menor. Quando o Congresso aprovou o último pacote de estímulo, um republicano do Mississippi votou contra, para logo depois se gabar a seus eleitores sobre as vantagens que o pacote traria ao estado.
Depois do ataque ao Capitólio, usou-se aqui com frequência a palavra expiação. Mas não houve qualquer impulso de redenção na cúpula do Partido Republicano.
As manifestações de militares brasileiros, no aniversário do início da ditadura que chamam de redentora, mostram que entendem tanto de reconciliação quanto os civis instigadores da turba no quebra-quebra do Congresso em Washington.
Esforços de se distanciar do extremismo, nos últimos dias, mostram também como os governos Trump e Bolsonaro deixaram feridas que não serão cicatrizadas por um ciclo eleitoral.
No domingo (28), na CNN, a médica Deborah Birx, ex-membro da força-tarefa de Trump no combate à pandemia, confessou o que não teve coragem de dizer nas entrevistas coletivas ao lado do presidente: depois da primeira onda de infecções que matou 100 mil, as 450 mil mortes seguintes poderiam ter sido “substancialmente reduzidas”.
Ou seja, ela atribuiu o sacrifício de centenas de milhares de vidas à negligência homicida de um presidente. Soa tragicamente familiar? O teatro de expiação da doutora Birx causou indignação.
No Brasil, depois da caótica segunda-feira, militares desterrados por Jair Bolsonaro começaram a soprar sua narrativa conveniente. São legalistas que pagam o preço por se recusar a politizar a força ou compactuar com uma aventura golpista. Estavam hibernando nos corredores do poder há dois anos?
O colaboracionismo sob os dois presidentes mais perigosos da história dos EUA e do Brasil não vai ser aplacado por entrevistas, com ou sem proteção do anonimato.
Recentemente, uma parente próxima de um leitor que me escreve com regularidade, um paulista politicamente moderado, disse a ele: “Se Bolsonaro tivesse uma SS, eu denunciava você”. Ela se referia à polícia secreta nazista como solução para discordância política.
Que reconciliação é possível?
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