Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Lúcia Guimarães
Descrição de chapéu Folhajus

A emenda que garante a epidemia de desinformação sobre a pandemia

Combinação de redes sociais, Trump e mídia de ultradireita oferece novos desafios à Primeira Emenda

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Uma semana antes do último Natal, um séquito de SUVs chegou a um posto de saúde do abastado distrito de Oxfordshire, a 90 km de Londres. Estava na hora de fechar o posto, mas uma exceção foi aberta para um homem idoso. Protegido por seguranças, ele foi tomar a vacina contra o coronavírus, depois de garantir que a cena não seria documentada por celulares.

Na segunda-feira (15), uma audiência de TV estimada em 4,3 milhões só nos Estados Unidos foi servida com ataques à segurança e à eficácia das vacinas. O autor do comentário foi escolhido pessoalmente pelo homem idoso para comandar um dos mais populares programas do cabo americano.

O mentiroso serial é o âncora de telejornal Tucker Carlson, e seu protetor vacinado, o bilionário Rupert Murdoch, 90, fundador e chairman da Fox News.

O âncora do Fox News Tucker Carlson participa de evento sobre populismo e a direita
O âncora do Fox News Tucker Carlson participa de evento sobre populismo e a direita - Chip Somodevilla - 29.mar.19/Getty Images/AFP

Carlson foi apelidado por um crítico de mídia de o “novo Trump”, já que o original foi silenciado pelos donos de Twitter, Facebook e YouTube. Tudo o que Carlson diz no ar, desinformando sobre a pandemia ou fabricando fatos para reforçar argumentos racistas, é protegido pela Primeira Emenda da Constituição americana. Ela garante a liberdade de imprensa e de expressão, a liberdade religiosa e de fazer assembleias.

Em setembro passado, um juiz federal recusou uma ação legal por difamação contra Carlson atendendo a um peculiar argumento dos advogados da Fox: o espectador não deve acreditar nele. O que Carlson informa no ar não é fato, concluiu o juiz, é “comentário não literal”.

Desde que a Primeira Emenda foi adotada, em 1791, ela enfrentou testes na Justiça, mas a combinação de redes sociais, Donald Trump e a mídia de ultradireita ofereceu novos desafios potentes. Juristas americanos têm se dividido entre os puristas que consideram a emenda um pilar democrático intocável e os que questionam se ela está minando a democracia.

O debate sobre o que constitui censura foi aceso antes da emergência das redes sociais, quando a democrática internet permitiu assédio online e disseminação de conspirações e facilitou o ensino da fabricação de explosivos em casa.

A visão da emenda antes da internet era concentrada na proteção contra o autoritarismo e a supressão de dissidência. Para exercer seus direitos, o cidadão deve ter acesso irrestrito à informação. E se o ecossistema de informação torna-se um adversário do exercício de direitos democráticos?

Como proteger a liberdade e, ao mesmo tempo, a propagação viral, potencializada por algoritmos, de informações que levam a doença e morte, como as de que a Covid-19 é só uma gripe, cloroquina é tratamento e se amontoar em festas não é risco?

Como proteger a democracia que começou com a adoção da Primeira Emenda se 47% dos 74 milhões que votaram em Donald Trump, em novembro passado, declaram que não pretendem se vacinar?

​​Banir Trump das redes sociais foi um recurso radical adotado pelo oligopólio do Vale do Silício. São empresas que passaram anos sem admitir a terra arrasada que criaram, com assassinatos em massa instigados pelo Facebook em Mianmar e trolls russos convocando protestos raciais em cidades americanas, na operação de interferência na eleição presidencial de 2016.

A Primeira Emenda, redigida com pena e tinta à luz de velas, protege valores imutáveis de liberdade. Mas cresce, nos EUA, o debate sobre como proteger os mesmos valores à luz da tecnologia do século 21.​​

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