Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Lúcia Guimarães

Ex-assessora aperta o cinturão da culpa no entorno de Trump

Sem depoimento de Cassidy Hutchinson, um momento assustador da história dos EUA talvez não fosse revelado

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Ela está na capa dos grandes jornais em toda parte. Seu cabelo e maquiagem impecáveis e a fala como a de quem pede desculpas antecipadas já se tornaram icônicos neste começo do verão americano.

Não foi um poderoso ex-assessor da Presidência, de 63 anos, que se sentou no banco de testemunhas. Nem foi o milionário advogado e ex-conselheiro jurídico da Casa Branca, de 56. Ambos estavam no olho da tormenta do 6 de Janeiro, um jogando lenha na fogueira, o outro tentando apagar com baldes.

Cassidy Hutchinson, ex-assessora da Casa Branca, faz juramento antes de depor em comitê da Câmara dos EUA, em Washington
Cassidy Hutchinson, ex-assessora da Casa Branca, faz juramento antes de depor em comitê da Câmara dos EUA, em Washington - Mandel Ngan - 28.jun.22/AFP

Foi a jovem mais subalterna, que tinha 24 anos no dia da invasão do Capitólio, quem mostrou a cara e cantou como um canário, incriminando a trumposfera a torto e a direito. Cassidy Hutchinson não acordou com a cabeça ensanguentada de um cavalo na cama, como o produtor de cinema que ousou desobedecer a Don Corleone em "O Poderoso Chefão". Mas, além de ameaças anônimas, a máfia trumpista mandou recados diretos à ex-assessora de Mark Meadows, chefe de gabinete de Trump, um animado puxador da orgia do 6 de Janeiro, cujas chances de vestir um macacão laranja aumentaram nas últimas 24 horas.

Sabemos que a ex-funcionária e sombra constante de Meadows recebeu pelo menos uma das mensagens colocadas na tela no final da audiência em que ela depôs, na terça (28), no comitê que investiga a invasão.

Num recado astuto aos que ainda tentam blindar o Don alaranjado, a deputada republicana Liz Cheney mostrou que os capatazes do cacique de Mar-a-Lago têm contatado testemunhas convocadas pelo comitê sugerindo que não cooperem, para continuar "nas boas graças" do chefe.

Cheney não precisou nem pronunciar as palavras, mas qualquer americano conhece o clichê do gângster que extorque dizendo "seu restaurante é tão bonito, uma pena se algo acontecesse com ele". As palavras são "corrupção de testemunha", crime federal que pode render até 20 anos de prisão.

Hutchinson tem um currículo de dar inveja aos que chafurdam na lama que se tornou a ultradireita americana. Em seus tenros anos, trabalhou para Steve Scalise, o deputado golpista e fan boy de supremacistas brancos. Trabalhou para o senador Ted Cruz, um escroque e ajudante de primeira hora no esforço de Trump para minar a apuração dos votos na eleição de 2020.

E, ao seguir Meadows para a Casa Branca, a moça mostrou que aspirava descer à cloaca do trumpismo, com sua mesa de trabalho a poucos metros do Salão Oval. É claro que Trump tomou distância imediata e disse que "mal conhecia" Cassidy Hutchinson, onipresente em momentos em que o golpe foi tramado.

O mais criminoso presidente da história dos EUA sempre reverte para o clichê do poeta britânico machista do século 18: "O inferno não conhece fúria como a de uma mulher rejeitada". Trump foi para a rede social dizer que a ex-funcionária queria uma vaga na equipe em Mar-a-Lago, mas ele vetou pessoalmente.

​Cassidy Hutchinson expressou um horror virginal pelo que viu na Casa Branca, 18 meses atrás. Ela enterrou a carreira escolhida, precisará de segurança e vai pagar caro por advogados de defesa.

Sua presença suave pode reemergir a portas fechadas, diante de um júri popular que deve decidir se recomenda novos indiciamentos pelo 6 de Janeiro. Um caso de bravura? Quem sabe? Mas sem o depoimento dela um momento espantoso e assustador da história da república talvez não fosse revelado.

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior da coluna afirmava que o nome ​Cassidy significa "castidade" em português, o que não é correto. O texto foi alterado.

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