Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Lúcia Guimarães
Descrição de chapéu LGBTQIA+

Talibãs cristãos e comediantes milionários se unem para atacar transgêneros

Solução dos republicanos para os problemas dos EUA é proibir adolescentes de escolher qual banheiro vão usar na escola

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Está tudo resolvido. Tudo em paz. Mais de 50 mil não morreram na Ucrânia nos últimos cem dias. Não há qualquer ameaça de conflito nuclear. A fome mundial vai ser eliminada. A Covid foi extinta. Os oceanos estão baixando e as temperaturas também.

Mas é preciso fazer campanha e ganhar eleições. A solução, em 2022, aponta para a população que tem desfrutado de regalias desmedidas no topo da pirâmide social, grupo que é blindado da intolerância social. Estou falando, é claro, da comunidade trans. Das pessoas que descobriram, aos 7, 15, 25 ou 50 anos que não cabem no gênero apontado na certidão de nascimento.

A aliança em torno de ataques à ínfima minoria que tem quatro vezes mais risco de ser assassinada em crimes de ódio surpreende em cinismo até nos EUA, país sob controle crescente da ultradireita.

Manifestante ergue cartaz em defesa dos direitos da população trans em protesto em Nova York - Carlo Allegri - 26.jun.217/Reuters

Estudos mostram que 1,2 milhão de americanos identificam-se como não binários. Isso equivale a 0,3% da população, mesma porcentagem dos que professam "Deus é a mente" como membros da religião Família Metafísica.

No sábado (28), Donald Trump usou parte de um comício de campanha para uma candidata republicana no Wyoming a uma crise inexistente entre a população trans. Como um comediante inebriado e decadente em stand-up de boteco, o ex-presidente sugeriu que ia convidar LeBron James para integrar um time feminino de basquete e voltou ao tema da censura à menção de homossexualidade ou identidade de gênero em escolas, que acaba de virar lei na Flórida.

As pesquisas mostram que os americanos estão estressados com a alta dos preços do petróleo, a inflação e a disparada do custo de moradia. A solução apresentada pelo Partido Republicano é proibir crianças e adolescentes de escolher qual banheiro vão usar na escola.

Há vários anos, a Academia Americana de Pediatria vem alertando para o índice assustador de tentativas de suicídio ou pensamentos suicidas entre adolescentes com fluidez de gênero.

Mas Trump tem concorrência no terreno da comédia. Três heterossexuais multimilionários descobriram o veio lucrativo de jogar pedras no novo alvo favorito dos talibãs cristãos. Ironicamente, dois são ateus —Ricky Gervais e Bill Maher— e o terceiro é o muçulmano Dave Chappelle.

Sob a desculpa de atacar a opressão da cultura "woke", Maher deu um show de desinformação sobre identidade de gênero na infância em seu último programa. Gervais, cuja rotina de stand-up se torna mais toscamente cruel à medida que sua imaginação encolhe, parece espernear para se manter culturalmente relevante. E Chappelle, o performer mais inovador dos três, não esconde mais que sua fixação na população trans é movida a ressentimento —ele parece sugerir que transgêneros estão furando a fila dos negros na luta pela justiça social. Se criticados, os três se refugiam em clichês sobre o dever da comédia de afrontar.

Em 2016, visitei uma escola pública do Brooklyn cobrindo os preparativos para o começo das aulas. Uma aluna de 11 anos ia voltar como menino. A escola tinha sido orientada por um psicólogo belga pioneiro no tratamento de famílias com crianças de gênero fluido. O terapeuta Jean Malpas, que tem 20 anos de experiência, repetia em nossas conversas: "Aceitar é proteger".

Na última semana, fomos lembrados de que a noção conservadora de proteger a juventude é garantir que um adolescente possa comprar armas de assalto para exercer sua liberdade de cometer um massacre.

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