Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Lúcia Guimarães

Lula descobre solução para mentir ao chamar ditadura da Venezuela de 'narrativa'

Presidente brasileiro vive mentalmente na década de 1980, regurgitando slogans do tempo da Guerra Fria

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Em 2022, o Alto Comissariado das Nações Unidas perdeu acesso a centros de detenção com pelo menos 245 presos políticos venezuelanos. O Observatório de Prisões da Venezuela apurou que, nas primeiras duas décadas do milênio, as mortes de detentos por desnutrição e tuberculose ultrapassaram as mortes violentas.

O narcotraficante Diosdado Cabello, número dois do chavismo, assumiu, em fevereiro de 2022, o controle do El Nacional, um dos últimos jornais independentes do país, depois que uma juíza fantoche deu ganho de causa ao gângster num processo de difamação. O crime jornalístico? Reproduzir uma reportagem sobre a notória participação de Cabello no Cartel de los Soles.

Nicolás Maduro e Lula durante reunião entre líderes da América do Sul em Brasília - Ueslei Marcelino - 30.mai.23/Reuters

Em setembro de 2022, uma missão de inquérito da ONU implicou Nicolás Maduro em crimes contra opositores políticos cometidos pelos serviços de inteligência chavistas.

Estima-se que três quartos dos venezuelanos vivem em condições descritas por padrões internacionais como de extrema pobreza. Pelo menos 7 milhões, de uma população de 28 milhões, fugiram do país.

Será que esses refugiados se enquadram na categoria descrita de maneira repelente pelo presidente do Brasil como gente que não sabe como a narrativa de Maduro "é infinitamente melhor do que a que contam sobre" ele?

Quando ouvi a primeira declaração de Lula, além de sentir revolta, pensei logo: ele está confundindo o asco internacional ao ditador venezuelano com a própria experiência de perseguição arbitrária.

Bingo. Lula dobrou a aposta no dia seguinte e escancarou seu indisfarçável carinho pelo colega que manda matar e torturar opositores políticos, além de ter presidido uma nova geração de crianças nanicas por desnutrição. "Foi assim que aconteceu com o Chávez, foi assim que aconteceu comigo," disse o presidente, com fervor caudilhista.

Maduro sobreviveu a sanções e foi recebido no Brasil. Mas o Brasil não é uma plantação de cacau da década de 1930, e Lula voltou a infligir mais infâmia à reputação do país. Engajar Maduro não é choramingar com ele por injustiças. Lula não devia ter sido preso. Mas não foi impedido de voltar ao Planalto com apoio de tantos que não votaram nele há duas décadas exatamente porque o Brasil não é uma Venezuela.

Enquanto provoca distrações com falas ignorantes e falsas sobre a Ucrânia —sem ter sido convidado como mediador—, Lula vai sendo engambelado pelo odioso homem-bomba Arthur Lira (PP-AL) na pauta que faz o mundo prestar atenção ao Brasil, o meio ambiente e o respeito a terras indígenas.

Do tratamento pífio à questão ambiental e aos cafunés em ditadores, passando pelo desprezo por 36 milhões de ucranianos, o presidente deixou claro que não foi o Brasil que voltou ao cenário internacional, depois do pesadelo bolsonarista. Quem está de volta parece ser o Lula que vive mentalmente na década de 1980, regurgitando slogans do tempo da Guerra Fria.

O chefe de Estado que convidou todo mundo a "virar soldado contra as fake news" descobriu uma solução para mentir. É só chamar de narrativa a realidade trágica e já vastamente documentada da Venezuela.

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