Luciano Magalhães Melo

Médico neurologista, escreve sobre o cérebro, seus comandos, seus dilemas e as doenças que o afetam.

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Luciano Magalhães Melo
Descrição de chapéu Mente

Nós, humanos, acreditamos em cada bobagem...

Crenças compartilhadas organizam sociedades e mobilizam ações coletivas

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A palestrante elegante, aos largos sorrisos, explicava que nossa mente atrai sucesso ou fracasso. Ao pronunciar atrai, fez-se literal, o pensamento invoca o destino. Um cético, sentindo-se enclausurado em seu canto, entendeu a essência do assunto: planejamento e acasos são meramente figurativos. Enquanto ele se perguntava como aceitara tomar parte daquela roubada —um pequeno evento sobre relações profissionais—, ela dizia que provaria seu ponto de vista com um pêndulo.

Segurando o fio da peça, a plateia viu o pingente a rodopiar no sentido horário, anti-horário, de frente para trás, da direita para a esquerda, seguindo os comandos verbais da senhora. Depois foram os espectadores, um a um, que seguiram a mesma tática para causar o obediente movimento pendular, enquanto mantinham imóvel o punho que sustentava o cordão.

A conferencista esclareceu os acontecimentos: a força mental conduz o penduricalho. Foi a apoteose, a suposição de que a mente telecomanda objetos estava materializada em fato. Não há limites para o pensamento. Se move e atrai objetos, por que não influencia os acontecimentos?

Pêndulo utilizado em radiestesia
Pêndulo utilizado em radiestesia - Manfred Antranias Zimmer por Pixabay

Em seu momento, o cético variou o experimento. Amarrou o cordão a sua carteira, e permaneceu com o dedo encostado à corrente. Não houve movimentos pedunculares. Mas ninguém mais da plateia considerou aquele desfecho, a unanimidade dizia que o método fora corrompido, por isso a ausência do resultado. O consenso festivo ali celebrado era implacável, salvo a exceção de um, todos decidiram acreditar que coisas boas são proventos da mentalização. A fortuna, a saúde e o romance perfeito estão todos logo ali, distantes de um pensamento.

Os desavisados não sabiam, mas tiveram contato com uma ilusão, um respingo persistente de uma superstição arcaica, desmascarada no século 19 pelo químico francês Michel Chevreul. Ele demonstrou que movimentos musculares sutis, realizados abaixo da percepção consciente, eram a força motriz do pêndulo.

Não havia metafísica, nenhum sinal sobrenatural ganhando significado no balançar do pingente, como se acreditava em épocas antes da revolução industrial, e, por incrível que pareça, até hoje levado a sério. Uma ilusão que atravessa séculos. Por uma simples explicação, nós humanos somos crédulos. Às vezes preferimos a hipótese mais esdrúxula à mais sensata.

Acreditar é um fundamento cerebral. O conjunto de crenças forma a base dos valores pessoais que orientam a conduta pessoal. Desta forma, provêm comprometimento pragmático ou emocional às atitudes, reações e hábitos. Credos movimentam pessoas. Convicções são colas sociais, atam as pessoas em grupos coesos e uniformizam opiniões.

Não é incomum pessoas utilizarem sua credibilidade para influenciarem as certezas de terceiros, e convencê-los conforme planejam. Ao seu modo, espalham superstições e conclusões errôneas, a favor de interesses pessoais.

Em outros termos, difundem pensamentos mágicos —as ideias que carecem de base empírica. Como, por exemplo, transmissão de pensamento, influências de espíritos, efeitos de amuletos de sorte, existência de uma força energética cerebral, que, se não move montanhas, ao menos move o pêndulo. Ou quiçá a crença perniciosa de que um salvador arrumará a política brasileira e mostrará o caminho para a prosperidade e juízo —a sina sebastianista, uma tradição visceral brasileira.

Estudos com ressonância magnética funcional apontam que quando alguém crê em fenômenos extranaturais, fantasiosos, o lobo cerebral frontal falhou. Atributos desta área, como atualizar informações, julgar, monitorar e avaliar, não foram adequados para formatar uma convicção mais acoplada à realidade. Lesões nestas regiões cerebrais aumentam o risco de se acreditar em pensamentos mágicos.

Compreender como as crenças se espalham e se enraízam em mentes é um importante tema para a neurociência. Afinal, crenças compartilhadas organizam sociedades e mobilizam ações coletivas, incluindo cooperação e agressão.

O grupo de espectadores da palestrante radiestésica é só um exemplo trivial de que convicções são manipuláveis e unem pessoas para servir a um propósito. A congruência do pensamento cria um ambiente acolhedor, mas sufoca a dúvida e opiniões divergentes, por vezes as lúcidas. Também evita o fardo do consumo energético, que é pensar adequadamente.


Referências(1) s(2) dq(3)

1. Olson JA, Jeyanesan E, Raz A. Ask the pendulum: personality predictors of ideomotor performance. Neurosci Conscious. 2017 Jan 1;2017(1):nix014.

2. Zhong W, Krueger F, Wilson M, Bulbulia J, Grafman J. Prefrontal brain lesions reveal magical ideation arises from enhanced religious experiences. Peace Confl J Peace Psychol J Div Peace Psychol Am Psychol Assoc. 2018 May;24(2):245–9.

3. Cantergi D, Awasthi B, Friedman J. Moving objects by imagination? Amount of finger movement and pendulum length determine success in the Chevreul pendulum illusion. Hum Mov Sci. 2021 Dec 1;80:102879.

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