Luís Francisco Carvalho Filho

Advogado criminal, é autor de "Newton" e "Nada mais foi dito nem perguntado"

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Luís Francisco Carvalho Filho
Descrição de chapéu Folhajus violência

Estado criminal

É possível investigar os sinais exteriores de riqueza

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Um ser que se habitua a tudo: a melhor definição que se pode dar ao homem, escreveu Dostoiévski.

Os desentendimentos históricos dos dois povos, judeus e palestinos, a guerra medonha. O fundamentalismo religioso, a semear ódio, intolerância, misoginia e genocídio. A espantosa e ininterrupta sequência de atiradores solitários nos Estados Unidos acertando a esmo pessoas comuns. A indústria de armas de fogo livre, leve e solta. As misérias da África.

O Brasil é o oitavo país mais letal do planeta. O número de homicídios de jovens negros é três vezes maior que o de jovens brancos.

Habitua-se a tudo, ainda que aos sobressaltos.

Carcaças de ônibus queimados no Rio de Janeiro - Eduardo Anizelli - 24.out.2023/Folhapress

O terror se espalhou na segunda-feira (25), instantaneamente, para retaliar a morte do proeminente miliciano Faustão pela Polícia Civil carioca. Caos, medo e prejuízo –35 ônibus incendiados. Surpreendidos, governantes radicalizam o discurso e pedem o endurecimento das leis penais, mesmo sabendo que não adianta nada.

Assim como não há solução milagrosa, previsível, imediata e viável para o conflito do Oriente Médio, não há solução milagrosa, previsível, imediata e viável para a violência brasileira.

As cidades estão habituadas. Algum dia, alguma coisa acontece. É um desafio gigantesco administrar o problema que não é apenas do Rio de Janeiro, muito embora, por alguma razão, o Rio esteja sempre na vanguarda.

A expansão do ciclo econômico das milícias e do crime organizado, que afeta o meio ambiente, a qualidade da água, o turismo e o cotidiano das populações, tem como insumo a corrupção policial. Sufocá-la, não por moralismo, mas por interesse público, não é suficiente, porém é essencial.

As milícias namoram as igrejas e a política. Milícias e igrejas exercem poder eleitoral decisivo.

O país está habituado, mas as chamadas do noticiário são alarmantes. O novo chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro ("a polícia mata sim" e "vai continuar matando") é condecorado com a medalha Tiradentes por iniciativa de parlamentar funcionalmente relacionado a miliciano. Filha de miliciano condenado ganha cargo de confiança no governo de Claudio Castro. Filho do ex-presidente Bolsonaro mantém vínculo com milicianos, assim como a ex-ministra do Turismo nomeada pelo presidente Lula. Milicianos ocupam gabinetes de senadores, deputados e vereadores, que transitam entre facções rivais e interesses antagônicos.

O cardápio oferecido pelas milícias é amplo e isento de impostos. De grupos de extermínio a sinais pirata de TV a cabo, construção civil, transporte alternativo, botijões de gás. Armas de guerra são desviadas do Exército e municiam a ação de traficantes e do "novo cangaço".

Para enfrentar a violência desmedida, o governo federal projeta atos de repressão ostensiva e pretende compartilhar informações com autoridades locais e corporações habituadas a dividir espaço e gentileza com milicianos. Corre o risco de nomear vampiros para gerir bancos de sangue.

É possível investigar os sinais exteriores de riqueza que policiais ostentam sem cerimônia. Que carro usa, onde mora, de quem é a casa, negócios, bicos, o relógio de ouro, o dinheiro vivo, o cartão de crédito e as contas bancárias, está tudo de acordo com o holerite?

O homem se habitua a tudo e a vida criminosa deixa rastros. Investigar quem é quem nas polícias talvez seja a primeira e a mais singela das providências necessárias para retomar o controle do Estado.

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