O gás lacrimogêneo também se espalha pelas ruas de Jacarta e de outras cidades da Indonésia. No último mês, o país viu os maiores protestos estudantis desde a queda do regime de Suharto, há duas décadas.
Centenas de milhares de pessoas saíram às ruas para contestar mudanças na legislação que enfraquecem o combate à corrupção e limitam liberdades individuais. Um roteiro de degradação das democracias atuais por vias jurídicas que se repete em outros países, muito além da Ásia.
A onda de manifestações contra um vasto pacote jurídico acontece enquanto o presidente Joko Widodo, reeleito em abril, se prepara para tomar posse do segundo mandato, no domingo (20).
Widodo vem sofrendo com a pressão de grupos conservadores islâmicos. Para sobreviver, reforçou a perseguição a críticos e proporcionou o grande retorno dos militares aos cargos políticos.
Além de lidar com as crises provocadas pelas queimadas nas florestas tropicais do país e pela violência na província da Papua, o governo precisou se reunir com sindicatos que protestam contra as mudanças nas leis trabalhistas, foi forçado a adiar a controversa votação de alterações no código penal e teve que pedir para que a polícia se contenha, depois que dois manifestantes foram mortos durante os protestos.
Por fim, Widodo sinalizou que pode revogar a lei que limita o poder da Comissão de Erradicação da Corrupção.
A ação contra esse órgão altamente popular e visto com bons olhos pelos indonésios caiu mal na opinião pública e foi combustível para os protestos. A vasta revisão do código penal que data do período colonial holandês propõe numerosas medidas ultraconservadoras, como punir o sexo fora do casamento e ofensas à honra do presidente e restringir o aborto e a ação de dissidentes, além de tornar ilegal o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo.
As propostas desencadearam uma mobilização civil. Um movimento não uniforme e não organizado que levou para as ruas e para a internet o descontentamento com o governo.
Online, estudantes compartilharam uma lista de demandas com foco progressista, como proibir militares e policiais de ocuparem cargos civis, exigir a punição e cassação da licença de empresas envolvidas em incêndios florestais, a liberação de prisioneiros políticos e a aprovação de uma lei para inibir para a violência sexual.
Os protestos que acontecem simultaneamente em Hong Kong inspiram jovens manifestantes da maior economia do Sudeste da Ásia.
Táticas de organização nas redes sociais (onde indonésios são extremamente ativos) se somam ao financiamento coletivo e à tradução de conteúdos que mostram estratégias de desobediência civil, como o vídeo com alto compartilhamento que ensina a neutralizar granadas de gás lacrimogêneo e que foi legendado no idioma local.
A Indonésia enfrenta ainda outra ameaça. Foi apresentada neste mês uma proposta de mudança na Constituição de 1945 que enfraqueceria a presidência e daria mais poder ao Parlamento, podendo até abrir caminho para o retorno de eleições indiretas.
Vista como um preocupante retrocesso na região, a medida não tem apoio público de Widodo, mas um dos principais responsáveis pelo texto é membro do partido do presidente.
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