Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.

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Luiz Felipe Pondé

Mindfulness é moda boba para tentar lidar com a própria consciência

Prática derivada do estoicismo para consumo pode ser uma fria porque você pode vir a descobrir que é um escroto

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Somos seres dados a se perder. No sexo, no dinheiro, na política, no trabalho, no medo da morte. A percepção de que a consciência é um peso pode ser, muitas vezes, assustadora. Não é por acaso que os evolucionistas afirmam que tivemos que nos adaptar a dois ambientes, o externo, como todos os seres vivos, e o interno, o mundo da consciência.

Até onde ir para ganhar dinheiro, sucesso e fama? Até onde ir para garantir a carreira profissional? Até onde ir para ter um relacionamento amoroso "saudável"? Até onde suportar a radicalização política a sua volta?

A ilustração figurativa de Ricardo Cammarota foi executada em técnica manual pastel oleoso.  A imagem, na horizontal, mostra 4 perfis de personagens bem estilizados, contornos e acabamentos esfumaçados. Aparecem da cintura para cima, na faixa de água com ondas pequenas que atravessa a base da ilustração. Eles estão lado a lado, na sequência com os corpos nas cores: laranja, verde folha, rosa e vermelho. Ao fundo, um azul degradê.  Todos os 4 personagens tem em seu peito um buraco oval preto e seus braços estão posicionados com as mãos nos buracos uns dos outros.
Publicada neste domingo, 20 de novembro de 2022 - Ricardo Cammarota

Modas não faltam. Aprenda a respirar. Meditar. Mindfulness. Terapia holística. Jesus para consumo. Superar crenças improdutivas. Dietas naturais. Autoconhecimento —que pode ser uma fria, no caso de ser uma busca séria, porque você pode vir a descobrir que é um escroto.

A consciência nos dá trabalho, mesmo quando não temos consciência disso. Por isso que são inúmeras as tentativas de que algo ou alguém nos ajude a lidar com ela. Uma dessas tentativas mais antigas é conhecida como a direção espiritual. Apesar do termo ser de raiz cristã no século 17 e seguintes, a prática data, no ocidente, no mínimo desde a antiguidade greco-romana.

Neste sentido, gostaria de apresentar —para quem não conhece— a excelente obra, sem tradução no Brasil, infelizmente, "Sénèque, Direction spirituelle et pratique de la philosophie", ou Sêneca, direção espiritual e prática da filosofia, de Ilsetraut Hadot, filósofa nascida na Alemanha. Seu sobrenome é conhecido porque ela é a viúva de Pierre Hadot, morto em 2010, filósofo francês traduzido no Brasil. Quem sabe alguma editora decide publicar para o público que não lê francês este excelente tratamento da obra de Sêneca.

Nesta obra, a filósofa faz uma recuperação do tema da direção espiritual na Grécia antiga, até chegar a Sêneca (4a.C.–65a.C.), estoico romano nascido na Espanha. Direção espiritual implica uma relação entre alguém mais velho e experiente nos dramas estruturais da vida —sexo, dinheiro, trabalho, política, morte, entre outros— e alguém mais jovem, em busca de entendimento e prática do enfrentamento desses dramas.

Entretanto, esse processo se dá dentro de parâmetros definidos por uma prática (ética) e uma dogmática (teoria) estoicas. A segunda orienta a primeira. A "tranquilidade da alma", título de um livro do Sêneca, pode ser buscada na medida em que colocamos limites às tendências humanas de degenerar ao longo da vida, correndo atrás de prazeres, sucessos, riquezas, poder.

Esses limites podem ser alcançados pelo esforço racional de conscientemente reconhecer que somos parte de um todo infinito, indiferente a nós, ordenado pelo "Logos" —o centro racional do cosmo. Nossa efemeridade pode nos guiar a um terreno menos acidentado.

Desconfiar das promessas do mundo, vivendo dentro dele, manter um certo distanciamento das juras feitas ao desejo pela máquina do mercado, buscar uma vida próxima a frugalidade. O estoicismo é excepcionalmente urgente num mundo do consumo, em que a própria vida interior é território de precificação agressiva.

Ao contrário do que pensam as modas derivadas do estoicismo para consumo, nada é mais distante da ética estoica do que vê-la como fórmula para o sucesso num mundo cujo coração bate no seio do metaverso como "progresso".

O estoicismo tende a austeridade, a recusa de bens efêmeros porque seu foco é o combate aos vícios e a contemplação atenta do Logos que nos diz que tudo está passando, nada é permanente, a não ser o próprio Logos. O sofrimento psíquico —forçando aqui um termo contemporâneo— nasce dessa cilada que é a promessa de felicidade definida como realização plena dos desejos centrada no Eu absoluto.

Uma boa notícia para os leitores brasileiros é a publicação pela editora Edipro de obras dos grandes estoicos. Como uma boa introdução ao tema, a obra escrita pelo professor de Oxford George Stock "O Estoicismo", da mesma editora, apresenta tradição estoica grega em linguagem aberta ao público não especializado. Não perca tempo com bobagens como o mindfulness.

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