"Praga". Esse é o termo que a pesquisadora Camille Paglia usa para se referir ao politicamente correto. A busca constante por preconceitos nos mais ínfimos detalhes do cotidiano, segundo ela, se assemelha a um transtorno mental, uma alucinação coletiva. O que aconteceu no programa "Em Pauta", do canal Globo News, é prova disso.
Uma jornalista foi repreendida porque falou a palavra "denegrir". Segundo o apresentador que passou o pito, "não se usa mais essa palavra". Pelo visto, há por aí uma polícia etimológica. Fato é que a jornalista pediu perdão e, provavelmente, nenhum outro jornalista da emissora se atreverá a cometer tal pecado novamente. Se a moda pega, capaz de a censura atingir outros veículos —o que faz com que esse problema não seja algo banal.
A justificativa é que o termo "denegrir" associa algo ruim à raça negra, já que o sentido figurado é "manchar a imagem de alguém". Vinda do latim "denigrare", o sentido literal é "tornar escuro". Nada a ver com raça. Mesmo se tivesse origem racista, o uso contemporâneo do termo não tem. Ninguém pensa em raça quando usa "denegrir". O sentido é sempre "difamar", "falar mal de alguém".
Logo, ver racismo nessa palavra é uma alucinação. Um delírio de intelectuais que buscam criar um paraíso igualitário a partir do mundo das ideias desconsiderando o mundo real.
Estamos criando uma sociedade neurótica e, no limite, paranoica. Estimulando sensibilidade excessiva através da ignorância em vez de mobilizar potencialidades através do conhecimento. Um perigo, principalmente para os mais jovens, e esse é o lado mais perverso da obsessão pelas palavras. Além disso, fornece-se munição gratuita para reacionários que usam esses delírios para desmerecer toda a luta antirracista, feminista etc. Até quando vamos fingir que faz sentido proibir palavras em um país no qual chacinas em comunidades pobres fazem parte do cotidiano? Até quando vamos bater palma para alucinações enquanto somos estapeados pela realidade?
Lygia Maria
Mestre em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina e doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP.
Recurso exclusivo para assinantes
assine ou faça login
Delírios do politicamente correto
Obsessão por palavras está criando uma sociedade paranoica
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.
sua assinatura pode valer ainda mais
Você já conhece as vantagens de ser assinante da Folha? Além de ter acesso a reportagens e colunas, você conta com newsletters exclusivas (conheça aqui). Também pode baixar nosso aplicativo gratuito na Apple Store ou na Google Play para receber alertas das principais notícias do dia. A sua assinatura nos ajuda a fazer um jornalismo independente e de qualidade. Obrigado!
sua assinatura vale muito
Mais de 180 reportagens e análises publicadas a cada dia. Um time com mais de 200 colunistas e blogueiros. Um jornalismo profissional que fiscaliza o poder público, veicula notícias proveitosas e inspiradoras, faz contraponto à intolerância das redes sociais e traça uma linha clara entre verdade e mentira. Quanto custa ajudar a produzir esse conteúdo?
ASSINE POR R$ 1,90 NO 1º MÊS
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.