Lygia Maria

Mestre em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina e doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP.

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A política destrói coisas belas

Embate sobre a Santa Ceia na abertura das Olimpíadas revela como a polarização ideológica produziu uma sociedade paranoica

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As Olimpíadas são um evento que celebra a união dos povos por meio dos esportes, mas a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris gerou contenda global entre conservadores e progressistas.

Num dos trechos do evento, uma performance com drag queens aludiu à pintura "A Última Ceia" (mais conhecida como "Santa Ceia"), de Leonardo da Vinci (1452-1519). Conjecturou-se, depois, que a obra referenciada seria outra, do pintor holandês Jan Hermansz van Bijlert (1597-1671), que retrata um banquete das divindades do panteão grego —Dionisio, o deus do vinho, foi representado na encenação em questão.

Performance durante a cerimônia de abertura das Olimpíadas de Paris-2024 - Tingshu Wang - 26.jul.2024/Reuters

A confusão, contudo, já estava instalada, dado que o trabalho do gênio italiano é muito mais famoso do que o de van Bijlert e já serviu a diversas paródias, com super-heróis, personagens de séries de TV, filmes etc.

Mas pouco importa a pintura. O que o imbróglio revela, na verdade, é como a guerra cultural, na qual se baseia a atual polarização política, produziu uma sociedade paranoica.

No cotidiano ou em produtos culturais, militantes dogmáticos de esquerda e de direita buscam opressão das minorias ou ataque à tradição.

Palavras como "denegrir" são racistas; marchinhas de Carnaval são homofóbicas; série que satiriza Jesus deve ser censurada; escola não é lugar para educação sexual; não se deve torcer para países colonizadores na Copa do Mundo de Futebol; cavalheirismo é machismo.

São inúmeros os exemplos desse puritanismo secular persecutório que trata a política como religião e encara qualquer aspecto da vida como ocasião para dar glórias a uma causa e acusar pecadores.
Neste ambiente sufocante, difícil não sentir falta de quando festas populares, artes e eventos culturais nos davam um respiro das agruras da realidade material com uma lufada de diversão, fantasia ou erotismo.

Saudades de quando as Olimpíadas eram apenas a celebração mundial da capacidade humana de ultrapassar limites em busca da perfeição. A política destrói coisas belas.

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