Manuela Cantuária

Roteirista e escritora, é criadora da série 'As Seguidoras' e trabalha com desenvolvimento de projetos audiovisuais

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Manuela Cantuária
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Áudios de WhatsApp e lives do YouTube me provocam pânico do virtual

Sabe aquela pessoa que é extrovertida na internet e reservada pessoalmente? Acho que me tornei o contrário disso

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Durante quase dois anos, fomos obrigados a praticar o isolamento social. Comemoramos aniversários por videoconferência, assistimos a shows sentados no sofá da sala, consumimos memes como entorpecentes.

Hoje, me vejo obrigada a praticar o isolamento virtual. Passei tempo demais em grupos de WhatsApp, threads do Twitter, lives do YouTube. Rolei a barra do Instagram até o inferno —e o inferno são os outros na internet. Já não reconhecia meus amigos sob os filtros que coravam suas bochechas, naqueles videozinhos editados como um clipe good vibes do Jack Johnson.

 A imagem mostra o desenho do ícone do whatsapp e do instagram encostados num coqueiro, numa mini ilha deserta
Ilustração publicada em 28 de março - Silvis

Agora, sinto que cada notificação do meu celular me rouba pelo menos um minuto de vida. Ainda que eu ame o remetente da mensagem com todas as minhas células, uma convocação para interagir virtualmente me parece mais cansativa do que uma convocação para ser mesária.

Tenho achado mais prático pegar a ponte aérea Rio-São Paulo, atravessar a cidade ouvindo os desvarios de um taxista pró-Bolsonaro e ficar uma hora na fila de espera de um bar hipster em um bairro gentrificado para encontrar uma amiga do que responder sua mensagem de áudio.

Na hora que aperto o botão para gravar, me sinto como uma atriz com medo de palco que esqueceu o texto e até o próprio nome. Enviar uma simples mensagem de áudio exige pensar em um roteiro, editá-lo, ensaiá-lo, para performar um monólogo de pouco mais de um minuto que será ouvido na velocidade dois. E não acaba por aí. Esse monólogo provavelmente será respondido com outro monólogo, exigindo de mim uma tréplica.

Os grupos de WhatsApp estão cada vez mais difíceis de acompanhar. Você fica três horas sem abrir as mensagens e se depara com pelo menos sete assuntos aleatórios, dois barracos e cinco indiretas te acusando de ser antissocial. Tenho para mim que esses grupos deveriam ser mediados como os debates eleitorais. "Candidato, seu tempo acabou." "Foco no assunto principal, por gentileza." "Prezados, vamos manter o decoro?"

Sabe aquela pessoa que é extrovertida na internet e reservada pessoalmente? Acho que me tornei o contrário disso. Às vezes, sinto nostalgia de um tempo que não vivi, em que a gente se comunicava por pombos-correio e não por essa cigarra tremedeira que carrega no bolso. Noutras, sei que é só ressaca de uma esbórnia virtual que parecia não ter fim.

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