"Quer tirar um tarô?", perguntei à uma amiga em estado terminal. Nessa fase, ela ainda estava assustada, já que o processo de metástase afetou sua visão e sua lucidez. Ironicamente, alguns dias depois, dias antes de sua partida, ela ganhou uma visão e uma lucidez de outra ordem, quando passou a dizer somente a verdade.
Mas esse texto não é sobre a verdade, muito pelo contrário. Vamos voltar à beira da cama, enquanto embaralho cartas de tarô. Estava acompanhada de outra amiga, Ana, e pedi para ela segurar algumas cartas que havia separado. Cartas que geralmente dão um cagaço e cuja interpretação é mais complexa. Percebendo que nossa amiga estava confusa e com medo, entendi que a mensagem deveria ser de conforto.
Ela sorriu ouvindo sobre o significado da carta O Mundo —o fim de um ciclo, um final feliz. Mas quando saímos de lá, Ana me deu um sermão. Não achou legal o fato de eu ter mentido para nossa amiga e manipulado o jogo. Honestamente, não fiz questão alguma de me defender, mas defendi a mentira com unhas e dentes.
Essa visão moralista da mentira me tira do sério. O que determina se uma mentira é boa ou ruim é o seu objetivo. Esse objetivo pode ser destrutivo, ou seja, se você mente para prejudicar alguém em benefício próprio, você está sendo o famoso saco de vacilo.
No entanto, se as pessoas só dissessem a verdade umas para as outras, o resultado seria a barbárie. A mentira é uma estratégia de sobrevivência, e mais do que isso: ela nos torna mais humanos.
Em uma entrevista, Dilma Rousseff foi acusada de "mentir adoidado na ditadura militar". Dilma respondeu que mentiu, sob tortura, para salvar a vida de seus companheiros, e que se orgulhava imensamente de ter mentido. Aqui, o objetivo da mentira é a proteção, e não a destruição.
Isso me faz lembrar do filme "A Vida É Bela", uma comédia dramática na qual o protagonista é mandado para um campo de concentração junto com seu filho e, para protegê-lo daquele cenário de horror, inventa para a criança que tudo aquilo é uma grande brincadeira. Imagino minha amiga Ana, chamando esse personagem em um canto e dizendo, "poxa, mentir não é legal", e acho a maior graça. É esse o poder da mentira, revelar a beleza e a graça na dor, e assim resistir à ela.
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