Manuela Cantuária

Roteirista e escritora, é criadora da série 'As Seguidoras' e trabalha com desenvolvimento de projetos audiovisuais

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Manuela Cantuária
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Nos identificamos com o sapo na panela quente, que não luta e nem agoniza

O protagonista da fábula representa uma metáfora para a incapacidade de reagir a uma situação problemática

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Esta é a fabulosa história de uma mulher que prefere ter o coração partido de uma hora para outra do que perceber, tarde demais, que o amor havia morrido, como na fábula do sapo na panela com água fervendo.

Mulher soltando balão
Ilustração de Silvis - Folhapress

Nota importante: a ideia de que seria possível matar um sapo de forma lenta e indolor mergulhando-o em uma panela com água e aumentando sua temperatura gradualmente tem origem em uma pesquisa do século 19 com o objetivo de descobrir se os animais tinham alma.

Sem validação científica, o experimento acabou se transformando em fábula. Afinal, nesta panela estão todos os ingredientes do gênero narrativo, incluindo o protagonismo de um animal e uma moral da história.

Dentro deste novo contexto, a pesquisa científica que origina a fábula já não faz sentido. É inquestionável o fato de que os protagonistas do gênero têm alma, dado que estes simpáticos animaizinhos caem nas mesmas armadilhas que nós, humanos, no tortuoso caminho para a prática da virtude.

O que nos leva à moral da história. Mas, antes da conclusão edificante, um detalhe desestabilizador. A origem da palavra protagonista vem do grego "prótos", primeiro, e "agonistès", lutador. Podemos dizer que o protagonista de uma história é o primeiro a lutar, o primeiro a agonizar —já que "agon" tem significado tanto de luta quanto de angústia.

Mas o protagonista da fábula não luta nem agoniza e, mesmo assim, nos identificamos com ele. Sua trajetória é uma metáfora para a incapacidade das pessoas de reagir a uma situação problemática que se agrava gradativamente até ganhar proporções catastróficas.

É o caso da protagonista desta crônica, uma mulher que não percebeu o "desapaixonamento". Bastava ela ter usado seus cinco sentidos —que não são uma particularidade dos seres humanos, diga-se.

Quando esta mulher se deu conta de que o sapo, digo, o amor, estava morto, se recordou de que os beijos de seu ex-amado há tempos tinham gosto de mingau frio; seu cangote, cheiro de toalha molhada em cima da cama; o som de sua respiração era o mesmo de um giz arranhando um quadro negro; e seus carinhos pinicavam como uma calcinha de poliéster.

Talvez por isso prefira cair na armadilha de um coração leviano do que em uma armadilha da própria consciência —astuta o bastante para driblar seus sentidos, mas não o suficiente para saber quando pular fora.

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