Marcelo Coelho

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

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Birras dos modernistas com obra de Brecheret são relativizadas em livro

'Um Novo Olhar Amoroso' discute condenações da crítica de arte vindas de Oswald e Mário de Andrade

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Temos a impressão de que o modernismo sempre foi uma coisa só, uma espécie de bloco voltado à crítica da arte acadêmica e à redescoberta do Brasil. Ficam meio esquecidas as suas divergências internas e as mudanças de rumo empreendidas por alguns de seus personagens principais.

O caso de Victor Brecheret, por exemplo, é novidade para mim. Como se sabe, o escultor foi "descoberto" pelos modernistas em 1920, e a admiração por sua obra valeu a Mário de Andrade uma briga séria com a família católica, inconformada com o "Cristo de Trancinhas" que um dia ele resolveu comprar.

Eis que o crítico Olívio Tavares de Araújo dedica um ensaio de seu "Um Novo Olhar Amoroso", da Cult Arte e Comunicação, ao tema "Modernistas contra Brecheret".

Ilustração que representa um estátua cinza com uma forma humana , sobre um fundo azul preenchido com bolinhas pretas
Ilustração publicada em 26 de abril - André Stefanini

Em 1954, Oswald de Andrade desancava o autor do "Monumento às Bandeiras", mas não pelas razões políticas que hoje —a meu ver injustamente— se invocam contra sua obra.

Era pessoal. "Esse homem", dizia Oswald de Andrade, "que deve sobretudo a mim sua carreira e sua ascensão, tornou-se, depois de milionário, o mais sórdido avarento da história do Brasil." Suas obras tinham inovações para a época? "Não passavam [...] de arranjos copiados do balcânico Mestrovic."

Oswald não estava sozinho. O entusiasmo modernista começou a esfriar em 1930, quando Mário de Andrade notou em Brecheret uma tendência para "confundir obra-de-arte com objeto-de-arte". O risco era cair no decorativo, e, mais precisamente, na moda que caracterizaria o design daquele período, o art déco.

Um dos muitos méritos do livro de Tavares de Araújo é o de fazer, a propósito de vários artistas —Volpi, Di Cavalcanti, Portinari, além do próprio Brecheret— uma releitura do que os críticos disseram sobre cada um deles.

O resultado é um pouco triste. Parece que, depois de um grande nome dar seu veredito, as avaliações posteriores acabam repetindo a verdade estabelecida. A ideia de um Brecheret "decorativo", "frio", "inexpressivo" se reproduz ano após ano, nos textos garimpados por Tavares de Araújo.

Pode até ser, em algumas obras dele. Mas "Um Novo Olhar Amoroso" aponta injustiças tremendas na opinião que se construiu em torno de Becheret.

Uma escultura da década de 1930, intitulada "Deusa da Primavera", representa uma mulher reta, frontal, com longa saia chanfrada como se fosse uma coluna. Seria "uma base de abajur", como disse alguém?Olívio Tavares de Araújo reage. As mesmas saias colunares, a mesma postura cilíndrica, estão na escultura arcaica dos gregos.

Brecheret não era expressionista nem exclusivamente nacionalista, como queria Mário de Andrade. Mas sua volta a padrões da antiguidade e mesmo da pré-história —incluindo-se aí a arte indígena— não tinha nada que o diminuísse num século que conheceu Brancusi e Henry Moore.

Entende-se por que o livro de Olívio Tavares de Araújo se chama "Um Novo Olhar Amoroso". Bastante cético com relação aos lugares-comuns da crítica, o autor está qualificado como ninguém para defender suas preferências. Tendo publicado seu primeiro livro em 1963, passou da idade, se é que a teve, de se importar com rótulos e convenções acadêmicas. Defende Portinari de seus detratores e José Antonio da Silva de seus entusiastas.

Sobre Volpi e Lívio Abramo, a quem conheceu pessoalmente, realizou documentários que fundamentam, com profusão de detalhes e citações engraçadas, as análises do livro.

E há, em tudo, o horror ao jargão e o desejo real de compreender —sem elogio bobo— tanto o que há de "boniteza" (Di Cavalcanti, Brecheret, Isabel de Jesus) quanto o que há de repulsivo (as performances sanguinolentas ou os sadismos de muita arte contemporânea) nas obras analisadas.

Como acontece num volume anterior ("O Olhar Amoroso", Momesso, 2002), este novo livro de Tavares de Araújo é também uma verdadeira visita guiada pelos artistas de sua admiração.

Cada artigo vem ilustrado pelo que cada um deles fez de melhor. As reproduções das obras são tão bem escolhidas e colocadas que valem como uma demonstração "objetiva" daquilo que, sempre afirmando seu gosto pessoal, o autor quer analisar.

Às vezes, a ilustração surge com o poder revelador de um texto: fachadas de Volpi, ao lado de uma gravura de Lívio Abramo, mostram o que ambos artistas têm de comum na criação de uma forma rigorosa e, ainda assim, intuitiva. Qualidade que, no plano da escrita de arte, parece ser a do próprio Tavares de Araújo.

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