Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Descrição de chapéu drogas

Descriminalização se dissocia de aumento de mortes por overdose

Oregon e Washington não tiveram explosão de óbitos após abrandar lei de drogas

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Como que por definição, evidências pesam pouco para abalar o senso comum, mas aqui vai uma: nos estados americanos de Oregon e Washington, a descriminalização da posse de drogas não ocasionou aumento de mortes por overdose.

Não se trata de noias fazendo propaganda do direito de se entorpecer, mas do periódico da Associação Médica Americana. Em 27 de setembro, o Jama trouxe um artigo com dados sobre o que aconteceu com overdoses em Oregon e Washington nos 12 meses após as mudanças legais.

No Oregon, uma iniciativa popular aprovou a Medida 110 em referendo na eleição de 2020. (Outra medida, 109, autorizou serviços de psilocibina, a substância psicodélica de cogumelos "mágicos".)

Adesivos decorativos estão à venda na High Desert Spores, uma loja que vende suprimentos para cultivar cogumelos alucinógenos e gourmet, em Portland, Oregon
Adesivos à venda em uma loja que vende suprimentos para cultivar cogumelos alucinógenos e gourmet, em Portland, Oregon, onde o uso adulto de psilocibina foi legalizado em 1º de janeiro - Robyn Beck - 10.mai.23/AFP

Com ela, a posse de pequenas quantidades de qualquer droga deixava de ser crime para se tornar uma espécie de contravenção, punível com multa de US$ 100 que poderia ser suspensa em troca de atendimento de saúde.

Em Washington, mais ao norte na Costa Oeste, a mudança partiu da Corte Suprema do estado, que declarou inconstitucional a lei de drogas anterior. O Legislativo estadual então aprovou nova lei recriminalizando drogas, mas determinando que a polícia ofereça tratamento em lugar de efetuar prisões.

Ambos os estados caminharam na direção do modelo adotado em Portugal: transferir essa questão psicossocial da esfera policial para a jurisdição da saúde. Apesar de questionamentos atuais sobre essa experiência europeia, os resultados colhidos lá foram bons.

No Oregon também há um incômodo com o afluxo de dependentes químicos para a cidade de Portland e o consumo aberto de drogas pelas ruas (o que não foi legalizado, diga-se). Não ocorreu, porém, a explosão de consumo e casos fatais prevista pelos mais conservadores.

Naquele estado, as mortes por overdose vinham em ritmo galopante: 76% em uma década, de 2011 a 2021 (no vizinho Washington, o aumento havia sido de 66% de 2019 a 2021). Com a chegada de opioides sintéticos, como o fentanil, a situação saía do controle: aumento de 84% de overdoses fatais só de 2020 para 2021.

O estudo no Jama concluiu que não houve nem aumento nem diminuição de óbitos por overdose no Oregon. A variação foi de apenas 0,268 caso por 100 mil habitantes de 2021 para 2022, com a nova legislação em vigor. Em Washington, foi de 0,112 por 100 mil, também sem significância estatística.

Os autores usaram um truque para chegar a esses números. Usaram dados de outros 48 estados dos EUA e o Distrito de Columbia (Washington, DC, não confundir com o estado do noroeste) para construir um grupo de controle sintético, quer dizer, artificial.

Contraintuitivamente, sua hipótese era que as overdoses mortais poderiam até ter diminuído, não aumentado. Afinal, há uma clara associação entre encarceramento e risco aumento de morte por consumo excessivo de drogas.

Isso tampouco se verificou. Mas os próprios pesquisadores ressalvam, para as duas possibilidades (incremento ou diminuição), que o período de 12 meses após a mudança na lei pode ser muito cedo para avaliar seus efeitos.

A legislação do Oregon determina que parte dos impostos do comércio de cânabis legalizada no estado deve ser carreada para redução de danos. Tais desembolsos só começaram em abril de 2022, após a data limite da pesquisa, de modo que ela não teria como captar seus eventuais impactos.

No Brasil o problema não são os opioides, como a heroína, mas o crack. Uma droga que degrada o dependente de maneira bem diversa, portanto os modelos europeu e americano não têm aplicação imediata por aqui. Mas já seria um bom começo de debate público apoiá-lo em evidências, não crenças ou ideias preconcebidas.

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