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Rodrigo Pacheco

A descriminalização do porte de drogas é competência do Supremo? NÃO

Judiciário não tem capacidade institucional, nem expertise, para tal regulação

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Rodrigo Pacheco

Senador da República (PSD-MG), é presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional

A separação dos Poderes constitui pedra angular do constitucionalismo. De fato, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), os revolucionários franceses assentaram a seguinte premissa: sem separação dos Poderes, não há Constituição (art. 16). A repartição de tarefas estatais se justifica não só como forma de evitar a concentração de poder, mas também como mecanismo de especialização funcional.

As ações estatais de combate às drogas ilícitas incluem prestações normativas e materiais, entre as quais a criminalização de condutas, a persecução penal, campanhas de conscientização e assistência à saúde de dependentes químicos. Todas elas se revestem de uma complexidade que não se prende à mera análise da legislação. Desenvolver políticas de saúde, educação e segurança pública requer expertise técnica e demanda escolhas políticas de alocação de recursos escassos.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) - Pedro Ladeira/Folhapress - Folhapress

A análise da constitucionalidade de leis constitui prerrogativa própria de uma corte constitucional. Ir além disso, porém, implica imiscuir-se em tarefas que o constituinte atribuiu aos demais Poderes. O próprio Supremo Tribunal Federal já determinou que o Poder Judiciário tem o dever de manter postura de deferência nas hipóteses em que os demais Poderes dispõem de maiores capacidades institucionais (recurso extraordinário nº 1.083.955).

O tema é complexo. Estudos apontam consequências diversas nos países que optaram pela descriminalização das drogas. Em alguns casos, a criminalidade sofreu redução. Em outros, houve aumento do consumo. O fato é que, se fosse o caso, a descriminalização deveria ser acompanhada de regras para controlar o mercado, sob pena de a experiência se tornar um fracasso. E o Poder Judiciário não tem capacidade institucional, nem expertise, para realizar tal regulação.

No Brasil, a legislação abranda as sanções de quem porta drogas para o uso próprio, mas mantém a tipicidade do ilícito penal. Há razões para tanto. O porte, ainda que de pequena quantidade, representa risco para a sociedade ao possibilitar a disseminação do vício e estimular o tráfico. Não há que se falar em omissão legislativa.

Para além do quesito competência, há uma pergunta que deve ser respondida por todos que discutem o tema: como o entorpecente vai chegar ao usuário? O debate não pode ignorar que, para a existência da droga, há toda uma cadeia antecedente que envolve crimes graves como corrupção de menores, lavagem de dinheiro, tráfico de armas e homicídio. Dizer que o tema se restringe ao livre-arbítrio ou à intimidade é ignorar que existem outros valores jurídicos em jogo, como a saúde, a segurança pública e a supremacia do interesse público.

E mais: em relação ao julgamento deste RE 635.659, que está sob o regime de repercussão geral, o STF está a conferir caráter vinculante a uma questão com amplo dissenso moral, cujas consequências são incalculáveis. O Supremo, sob a alegação de que precisa reduzir a população carcerária e proteger o jovem da periferia, ao criar um critério fixo da quantidade de droga para uso, retirando do juiz a análise do caso concreto, pode contribuir para o ilícito. Isso porque, ao permitir um planejamento do tráfico, pode incentivar o uso da figura do "aviãozinho", que terá verdadeira imunidade no comércio ilegal de drogas. Não me parece, portanto, ser esse o melhor caminho.

Negar que a Constituição confere ao Poder Legislativo a função de debater a opção de política criminal no tocante ao tráfico de drogas, recusando o papel dos legisladores como representantes da vontade popular, contribui para o definhamento da própria democracia. E, com a fragilização da ordem democrática, não podemos jamais compactuar.

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