Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Documentário sobre Pimentinha e Maestro reaviva o melhor do Brasil

Elis & Tom, Serra da Capivara e Foro de Teresina exibem o quanto este país tem para dar

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Embora acidental, em retrospecto revelou-se acertada a escolha de assistir no Dia de Finados ao filme "Elis & Tom – Só Tinha de Ser com Você". Uma data apropriada para reverenciar dois gênios mortos, que em 1974 souberam domar os egos para entregar ao mundo um dos maiores discos do Brasil.

Há tanto talento e tanta força vital capturados no documentário de Roberto de Oliveira que se torna imperativa a reflexão: como é possível um país e uma cultura capazes de produzir tamanha beleza acabarem secretando tanta baixeza nas redes?

Em foto preto e branco, Elis Regina e Tom Jobim aparecem gravando juntos
Cena do filme 'Elis & Tom, Só Tinha de Ser Com Você' - Divulgação/O2 Play

Não faz muito aconteceu de revisitar outro paradoxo brasileiro, o Parque Nacional Serra da Capivara. Distante de tudo, em plena caatinga estorricada, sucedem-se os monumentos –naturais e humanos– de uma pré-história de riqueza que podem ser admirados hoje, de graça, numa unidade de conservação bem-estruturada.

A área do parque incide sobre quatro municípios: São Raimundo Nonato, Brejo do Piauí, João Costa e Coronel José Dias. Há poucos voos para a primeira cidade, e outros mais frequentes para Petrolina (PE), a 365 km.

A visita anterior ocorrera 23 anos atrás. O motivo foi uma longa reportagem sobre querelas na comunidade de pesquisa arqueológica no Brasil.

A Serra da Capivara, além de fantásticas formações geológicas como a Pedra Furada, abriga milhares de pinturas rupestres, datadas de milhares de anos, em centenas de sítios pontilhando trilhas, baixões e veredas. Há ainda fósseis da megafauna de 10 mil atrás, urnas funerárias e outros vestígios de ocupação humana antiga.

O parque tem também o Museu da Natureza, uma belonave de divulgação científica pousada entre as rochas e a mata de angicos, mandacarus, algarobas, macambiras e juremas. Instalações no nível do que se vê, por exemplo, no Museu do Amanhã do Rio de Janeiro.

Tudo se tornou possível porque uma arqueóloga sudestina, Niède Guidon, cismou de investigar a copiosa arte rupestre ainda na década de 1970. Era a personagem central da reportagem "A Falha Arqueológica do Brasil", publicada nesta Folha no ano 2000.

Pesquisadora controversa, ela aparece retratada com fineza por Adriana Abujamra no livro "Niède Guidon: Uma Arqueóloga no Sertão". Outro lançamento recente, "Admirável Novo Mundo: Uma História da Ocupação Humana nas Américas", de Bernardo Esteves, fornece o panorama completo da polêmica sobre a antiguidade dos humanos nas Américas.

Basta aqui registrar que, sem Guidon, a Serra da Capivara provavelmente não seria o que é. Infraestrutura turística, escolas, museus –sim, há outro, o do Homem Americano, em São Raimundo–, fábrica de cerâmica artesanal com desenhos rupestres...

Tudo isso surgiu da imaginação e da persistência de Guidon, das pioneiras e pioneiros que soube atrair para o semiárido e dos habitantes locais que entreviram a chance de superar a pobreza nordestina.

A pobreza ainda está lá, mas quase não se vê miséria, como há um quarto de século. Tampouco aparece nas vilas em torno do parque a mesma quantidade de lixo plástico que o vento espalha pela caatinga, emporcalhando a paisagem no trajeto de carro desde Petrolina.

O parque é um milagre brasileiro materializado no Piauí. Às vezes se exige certa megalomania, sob rédeas firmes, para liberar todo o potencial criativo latente na cultura e no povo brasileiros.

Por infeliz coincidência, nas mesmas semanas de revisitação a Elis & Tom e à Serra da Capivara egos descontrolados puseram fim ao podcast Foro de Teresina. De quebra, tiraram algum brilho do farol de inteligência aceso há 17 anos pela revista Piauí.

Momento de luto, mas também de celebração pelo que resiste de melhor no Brasil.

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