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Nirvana surge mítico como a última grande banda de rock em livro

Everett True apresenta a história dos músicos em um 'Ulysses' cheio de caos, vômito e arruaças

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Cadão Volpato

Escritor e músico, é autor de 'À Sombra dos Viadutos em Flor' e 'Abaixo a Vida Dura'

Nirvana – A Verdadeira História

  • Preço R$ 169,90 (736 págs.)
  • Autoria Everett True
  • Editora Belas Letras
  • Tradução Clarice Yamazaki, Maíra Meyer e Aline Azuma

Haja amor para justificar a leitura de um catatau do tamanho de "Ulysses", de James Joyce, mas com mais vômito e arruaças. É preciso amar de verdade o rock e o Nirvana para atravessar as 736 páginas deste livro publicado originalmente em 2006.

foto em preto e branco de músicos
Os integrantes do Nirvana, Dave Grohl e Kurt Cobain (dir.) - Divulgação

"Nirvana – A Verdadeira História", se refere mais ao nome do autor, ou melhor, ao pseudônimo do jornalista Jeremy Andrew Thackray, conhecido como Everett True, que também batizava um personagem de quadrinhos antigo antes de virar assinatura na revista de música Melody Maker. True quer dizer "verdadeiro".

Isso porque outras biografias relacionadas ao Nirvana já existiam antes desta "Verdadeira História". "Come As You Are", de Michael Azerrad, é a mais conhecida e foi autorizada pela última das grandes bandas do rock.

O "Nirvana" de Everett True é caótico, mas é justamente aí que reside um de seus encantos. O autor se mostra entranhado na história que conta desde o princípio. Ele foi um dos primeiros jornalistas despachados de Londres, onde ficava a crítica mais autoral do mundo, para cobrir a cena do grunge de Seattle em seu nascimento —a palavra "grunge" remete a sujeira e barulho, e hoje é história.

True ficou amigo de todo mundo, conheceu muitas bandas ainda no berço e pegou o Nirvana dando os primeiros passos. Kurt Cobain, o guitarrista torturado por dores de estômago e bronquite crônica, é o herói e o anti-herói deste livro, ainda que o escritor tenha tentado evitar, desde as primeiras linhas, o protagonismo da figura.

Cobain é essa espécie de mito da galeria do rock, nascido e criado numa família disfuncional de uma cidade caipira do interior do estado de Washington. O lugar decaiu deixando um lastro de desemprego e tédio feroz, material propício para o florescimento de uma banda de rock.

Era um panorama desolador, com muita raiva embutida. Lá, o raquítico e maltratado Cobain conheceu um cara de quase dois metros de altura e origem croata, Krist Novoselic, curtidor de punk rock e baixista, com o qual formaria uma dupla que mais parecia um número de comédia.

Ambos gostavam de barulho, mas a música que fariam teria como chave uma estranha alternância entre fúria e melodia pop, entre rock pesado e Beatles.

Antes de formar o trio definitivo e antes mesmo de um nome, os dois amigos tiveram quatro bateristas diferentes —o quinto, Dave Grohl, estava na pior quando conheceu os futuros parceiros e passou a surrar a bateria como se não houvesse amanhã.

O nome Nirvana foi um achado que a cena roqueira de Seattle achou meio ridículo. Mas fazia sentido, pois a banda remava contra a maré.

Quem viu a banda em seus primórdios entendeu que se tratava de algo completamente diferente do resto. E quem ouviu o seu primeiro grande hit, "Smells Like Teen Spirit", do álbum "Nevermind", bombado pelo clipe exibido incessantemente na MTV, descobriu o que era inevitável: o Nirvana seria a grande sensação daquele começo dos anos 1990.

O sucesso foi avassalador em todos os sentidos. Para aqueles garotos punks que mal tinham saído do buraco, significou fama, fortuna e dores de cabeça.

A contradição principal de toda vanguarda, arte versus indústria, foi mortal para a sensibilidade de Cobain, que já havia mergulhado na heroína e cometeu suicídio em 1994, na mesma cidade, Seattle, que colocara o grunge no mapa. Sua morte brutal, aos 27 anos, entrou para o rol dos mitos do rock.

Várias teorias conspiratórias sobre as circunstâncias foram espalhadas —e a mais cabulosa culpa a então mulher dele, Courtney Love, que segundo True, conhecido como The Legend, foi apresentada a Cobain por ele mesmo.

Faz quase 30 anos que tudo isso aconteceu, e o rock já não desperta mais tantas paixões. A história do Nirvana tem todos os ingredientes que forjaram as grandes lendas do gênero, mas quem parece ter vencido foi a indústria fonográfica, com os cerca de 75 milhões de discos vendidos pela banda desde sua curta trajetória. Mas até a indústria já morreu. Restou a lenda.

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