Marcelo Viana

Diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France.

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Abandonada a matemática, ficamos à deriva, como em 'Moby Dick'

Um traço curioso da escrita de Herman Melville são as referências à matemática.

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Herman Melville nasceu em Nova York, em 1819. À morte de seu pai, homem de negócios malsucedido, teve que deixar a escola, com apenas 13 anos, para ajudar a sustentar a família. Em 1841 alistou-se como marujo num navio baleeiro: "Foi o meu colégio Yale e a minha universidade Harvard", escreveu mais tarde.

Após várias viagens e uma estadia com a tribo typee, na Polinésia, voltou aos Estados Unidos e decidiu escrever sobre suas experiências no Pacifico. Seus primeiros livros, "Typee" e "Omoo", iam ao encontro do gosto da época por relatos de viagem e tiveram sucesso.

Mas o terceiro, "Mardi", era mais denso e introspectivo e desagradou os fãs. O mesmo aconteceu com os livros subsequentes, inclusive "Moby Dick", sua obra-prima. Melville morreu em 1891, esquecido e em relativa pobreza. Hoje é considerado um dos grandes escritores da língua inglesa e existe um periódico acadêmico, "Leviathan", dedicado exclusivamente ao estudo de suas obras.

Versão em HQ de 'Moby Dick', ilustrada por Christophe Chabouté
Versão em HQ de 'Moby Dick', ilustrada por Christophe Chabouté - Divulgação

Um traço curioso de sua escrita são as referências à matemática. Por vezes são conceitos elementares, como em "Moby Dick", quando o capitão Ahab elogia seu grumete. "Tu és leal, garoto, como a circunferência é ao seu centro". Outras vezes, a matemática é sofisticada. Sobre a lavagem dos potes de ferro em que são preparadas as refeições, comenta: "É também um local para profunda meditação matemática. Foi no caldeirão esquerdo do Pequod, com a pedra-sabão circulando diligentemente ao meu redor, que fui tocado pela primeira vez pelo fato notável de que, na geometria, todos os corpos que deslizam ao longo da cicloide, minha pedra-sabão, por exemplo, descerão de qualquer ponto exatamente no mesmo tempo".

Onde e quando Melville, com seu histórico escolar quebrado, aprendeu sobre a cicloide, uma curva notável que só é ensinada em cursos avançados? Por que a matemática o impressionava tanto, a ponto de polvilhar suas obras com ideias matemáticas? Os biógrafos discordam.

Mas é provável que a resposta seja a mesma de tantas outras vocações: um bom mestre. Sabemos que aos 12 anos estava matriculado na Academia de Albany, a melhor escola do estado de Nova York, e que ganhou um prêmio por ser "o melhor da classe em criptografia". Também sabemos que o professor de matemática e física de sua turma era Joseph Henry, um cientista respeitado, que veio a dirigir o reputado Instituto Smithsonian.

Seja como for, em "Moby Dick" deixou bem claro como via o papel da matemática. Na noite em que o capitão Ahab, em sua insanidade, renuncia aos cálculos e destrói os instrumentos de navegação, há uma grande tempestade e o navio Pequod perde o rumo, irreversivelmente. Abandonada a matemática, ficamos à deriva.

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