Marcia Castro

Professora de demografia e chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard.

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Descrição de chapéu desmatamento

Rios de ouro e de destruição

O Brasil precisa fazer sua parte para manter viável seu futuro como nação

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Rio de ouro. Era isso que parecia ser visto em uma imagem capturada pela Estação Espacial Internacional em dezembro de 2020. Não eram rios. Eram cicatrizes do garimpo ilegal na Amazônia vistas do espaço. Há outras cicatrizes que se revelam localmente: conflitos e violência, violação de direitos humanos, destruição de povos indígenas e sua cultura, transmissão de doenças, envenenamento por mercúrio, e destruição ambiental, entre outras.

Essa é a realidade retratada no documentário "Rios de Ouro". Resultado de uma iniciativa extremamente corajosa, o documentário relata o garimpo ilegal no Peru, na cabeceira do rio Amazonas. As imagens não deixam dúvida: parte da floresta é destruída, outra, envenenada para sempre com mercúrio. A estimativa é que seja preciso remover 250 toneladas de terra para obter quantidade de ouro suficiente para fazer uma aliança. Além disso, a cada quilo de ouro extraído por meio do garimpo, cerca de 1,3 quilo de mercúrio é liberado.

No Brasil, a expansão do garimpo ilegal se intensificou nos últimos anos, principalmente em áreas protegidas. Segundo o Mapbiomas, comparando 2010 com 2021, o crescimento do garimpo em áreas indígenas foi de 632% e em unidades de conservação, de 352%. A partir de 2019, mais da metade da área de mineração no Brasil era coberta pelo garimpo, o que não acontecia desde 1998.

Clareira provocada por garimpo ilegal dentro da floresta amazônica
Área de garimpo ilegal na região do rio Crepori, afluente do rio Tapajós, no município de Jacareacanga, no estado Pará - Pedro Ladeira - 15.fev.22/Folhapress

A expansão do garimpo ilegal foi impulsionada pelo discurso do atual governo e mudanças na lei, parte da estratégia de "passar a boiada". A capacidade de rastrear toda a cadeia logística do ouro extraído por meio do garimpo ilegal ainda é limitada. Um importante passo foi dado graças ao trabalho da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e do Ministério Público, que mostrou que a maioria da produção de ouro de procedência ilegal está concentrada na Amazônia, em especial no estado do Pará. As duas áreas indígenas mais afetadas pelo garimpo ilegal em 2021 também estão no Pará (povos Kayapó e Munduruku).

Entre 2005 e 2015, quando o desmatamento estava em queda e o cenário era, portanto, muito diferente do atual, o garimpo ilegal representou cerca de 9% do desmatamento na Amazônia, causando destruição em um raio de até 70 km da área central do garimpo.

Garimpo ilegal, desmatamento intenso, incêndios que projetam mais dióxido de carbono (CO2) do que a floresta absorve. A boiada vai passando e deixando um rastro de destruição que afeta os povos locais, o Brasil e o mundo. Destaco três relatórios divulgados semana passada.

As reduções das emissões de CO2 estão muito abaixo da meta estabelecida pelo Acordo de Paris, conforme mostrado pelas Nações Unidas. É preciso reduzir as emissões em 45% até 2030, comparado com 2010. Sem uma mudança na tendência atual, entretanto, haveria aumento de 10,6%. Isso significa mais eventos climáticos extremos.

O Unicef mostrou as consequências atuais e futuras do calor extremo na saúde e desenvolvimento de crianças. Em 2020, 18% dos menores de 18 anos no Brasil foram expostos, em média, a pelo menos 4,5 ondas de calor. Em 2050, esse percentual pode chegar a 98%.

A Avaliação da Declaração Florestal mostrou que o desmatamento global em 2021, comparado com 2018-20, foi reduzido em 6,3%. O Brasil, entretanto, liderou o ranking dos países que mais desmataram em 2021. Foi ainda o país com o segundo maior aumento de emissões.

O Brasil precisa fazer sua parte para manter viável seu futuro como nação. Como disse Chico Mendes: "No começo pensei que estivesse lutando para salvar seringueiras, depois pensei que estava lutando para salvar a floresta amazônica. Agora, percebo que estou lutando pela humanidade".

Que essa luta, e nosso futuro, sejam resgatados.

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