Marcos Lisboa

Economista, ex-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula)

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Marcos Lisboa

O populismo pusilânime e a armadilha da mediocridade

Problemas da conjuntura são apenas a face imediata de amarras econômicas e políticas bem mais difíceis de desatar

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O atual governo já disse a que veio. Enquanto isso, a menos de um ano das eleições, quase toda a oposição se perde em nomes em vez de discutir projetos para o país, o que permitiria definir prioridades e construir alianças.

Os problemas de curto prazo ajudam a turvar o debate. O risco fiscal colabora com a desvalorização cambial e prejudicou a retomada da atividade. A inflação de 10% em 12 meses contamina os contratos. Serviços, como aluguéis e transporte público, devem ter reajustes expressivos no começo de 2022.

A condução da política monetária é o instrumento para conter a disseminação da inflação, mas implica um custo a pagar em produção e emprego a partir de meados do ano que vem. Alguns setores têm bom desempenho, mas o quadro geral é de uma economia que anda de lado.

Muitos esperam que uma nova administração reverta rapidamente o descontrole atual. Mas os problemas da conjuntura são apenas a face imediata de amarras econômicas e políticas bem mais difíceis de desatar.

Há anos, o Brasil cresce menos do que os países desenvolvidos e muitos dos emergentes. Nossos problemas decorrem, em boa medida, de escolhas de política pública que resultaram em uma armadilha de mediocridade. Existem diversas distorções institucionais que garantem a produção e o emprego em alguns setores, porém à custa do baixo crescimento da produtividade no restante da economia.

Superar essa armadilha requer enfrentar dilemas e arbitrar conflitos bem distantes da retórica maniqueísta. O populismo, contudo, evita reconhecer a extensão dos desafios, optando por narrativas polarizadas em que os problemas são superados com poucas decisões voluntariosas. Melhor evitar a complacência com retóricas eleitorais inconsistentes, como ocorreu nas últimas campanhas, ou iremos repetir erros em um contexto ainda mais grave.

O baixo crescimento da produtividade e da renda tem muitas causas. Nossa legislação e normas infralegais protegem empresas pouco eficientes e induzem a adoção de tecnologias defasadas em comparação com as adotadas em outros países.

Ilustração mostra vários pedestais de microfones enfileirados. No lugar de cada microfone, há uma granada. O fundo é colorido: 4 listras verticais nas cores, rosa, amarelo, verde–água e verde limão
Edson Ikê

As distorções da tributação sobre o consumo estimulam decisões de produção em atividades com menor valor adicionado. As barreiras ao comércio exterior restringem a importação de máquinas e equipamentos mais eficientes, prejudicando a produtividade dos demais setores.

Esses entraves são agravados pelas dificuldades em expandir de forma eficiente a infraestrutura do país. E o problema não é apenas o baixo investimento, público ou privado, mas também a sua execução, usualmente bem mais custosa e lenta do que o necessário, mesmo quando há recursos disponíveis.

Cuidamos pouco da governança do setor público e dos aspectos técnicos dos investimentos em infraestrutura. Propostas são aprovadas sem projetos executivos detalhados ou análise dos seus efeitos colaterais. O resultado, segundo o TCU, é uma maioria de obras paradas por problemas de projeto ou de contrato e apenas 10% por falta de recursos.

A ineficiência tem muitas formas. A revisão do modelo do Pré-Sal definiu que as petroleiras pagassem à União em barris de petróleo pelo direito de exploração. Isso levou o governo a criar a estatal PPSA para armazenar e comercializar os barris recebidos. Não seria mais fácil, e barato, que o direito a exploração fosse pago em reais?

A lei da capitalização da Eletrobras prevê a necessidade de gás explorado no litoral ser transportado para as regiões Centro-Oeste e Norte, onde será transformado em energia para então ser transmitido para distantes mercados consumidores. Toda uma infraestrutura de logística desnecessária terá que ser criada para atender à demanda legal, criada para benefício de alguns, onerando o restante da sociedade.

Quase todo o orçamento federal está comprometido com despesas obrigatórias. Boa parte do que resta foi capturado por emendas de parlamentares que podem gastar a seu bel-prazer, sobretudo se aliados da atual liderança no Congresso. Difícil um novo governo superar esse imbróglio, ainda mais que a composição do Legislativo a ser eleito será afetada por essa distribuição discricionária de recursos.

Nosso baixo crescimento não é obra do acaso. O voluntarismo tecnicamente pouco embasado acabou cúmplice da captura das políticas públicas por grupos organizados. Está no prelo um livro organizado por Marcos Mendes em que 33 autores analisam os fracassos de diversas intervenções na economia dos últimos 15 anos.

As distorções criadas pelas intervenções equivocadas são de difícil solução. A sobrevivência dos grupos beneficiados, incluindo empregos, depende da extração de renda do restante da sociedade. Uma agenda de retomada do crescimento terá que arbitrar conflitos e propor regras de transição.

O populismo em campanha teme enfrentar os grupos de interesse e o custo do desmonte de políticas fracassadas, preferindo saídas mágicas em meio a narrativas com inimigos fantasiosos. As dificuldades, contudo, são bem mais disseminadas e sutis, como exemplificou a reação bem-sucedida contra a proposta de tributação do dividendo do lucro presumido.

Profissionais liberais, com renda no grupo do 1% mais rico e que se beneficiam da isenção, argumentaram, indignados, ser parte da classe média. No populismo, o problema são sempre os outros.

Deveríamos ter aprendido com as frustrações do passado. Passada a euforia das urnas, as promessas inviáveis cobram seu preço em um país há anos na armadilha da mediocridade.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.