Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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Não há mágica no Orçamento

Apropriação pelo Congresso e busca da reeleição levam controle de receitas e despesas a um 'faz de conta'

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O Projeto de Lei Orçamentária de 2023, apresentado na semana passada, é provisório. Espremido pela força do Congresso para criar gastos e pela agenda de um presidente em campanha de reeleição, o Ministério da Economia não pôde fazer mágica: apresentou um documento cheio de pontas soltas.

A campanha eleitoral levou à promessa de manter em R$ 600 o piso do Auxílio Brasil e corrigir a tabela do Imposto de Renda. Sem espaço fiscal, o Ministério recorreu a notas de rodapé dizendo que depois da eleição "a gente dá um jeito". A indefensável prorrogação da redução de tributos sobre a gasolina, outro hit eleitoral, vai custar R$ 34 bilhões.

O apetite do Congresso já havia, na Lei de Diretrizes Orçamentárias, fixado as emendas de relator em R$ 19 bilhões. Além disso, obrigou o executivo a reservar previamente o dinheiro para esse fim.

Até o ano passado, os parlamentares incorriam no custo político de dizer quais despesas seriam cortadas para financiar essas emendas. Agora, querem o dinheiro previamente reservado, para ficarem só com a parte boa: dizer onde gastar.

Dois homens de terno escuro conversam, tendo a bandeira do Brasil ao fundo.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL). - Gabriela Biló /Folhapress

Para lidar com isso, o Ministério da Economia usou outro artifício que não vai colar: disse em que áreas as emendas de relator terão que ser gastas. Indica, por exemplo, que R$ 10 bilhões terão que ir para a saúde e R$ 3,5 bilhões para o reajuste do funcionalismo federal.

Isso está longe da preferência dos parlamentares. Como de costume, vão mandar boa parte do dinheiro para o Ministério do Desenvolvimento Regional que, na alocação prévia, ficou com apenas R$ 1,5 bilhão. Em consequência, será necessário encontrar dinheiro extra para garantir o gasto mínimo em saúde e o reajuste do funcionalismo.

Fazendo uso da combinação explosiva de muito poder e pouca responsabilização, o Congresso aprovou recentemente diversos aumentos de despesas sem dizer como encaixá-las no teto de gastos. Para driblar a conta extra, o Executivo editou, às vésperas do envio do orçamento, duas medidas provisórias postergando algumas dessas despesas para 2024 em diante: auxílios ao setor cultural e aumento do fundo da ciência e tecnologia. Se o Congresso derrubar ou alterar as MPs, essas despesas, em torno de R$ 10 bilhões, terão que ser encaixadas no orçamento.

Outros R$ 8 bilhões de despesas só foram viabilizados porque a previsão de inflação (IPCA), utilizada para corrigir o teto de gastos, está superestimada. O Congresso terá que escolher entre corrigir para baixo o valor do teto ou manter a superestimativa do IPCA e agravar ainda mais a perda de credibilidade dessa regra fiscal.

Não é difícil prever que nova emenda constitucional, aprovada por quase unanimidade após às eleições, autorizará a entrada dos gastos extras no orçamento.

A despeito de todo o otimismo com o aumento recente na arrecadação, o orçamento prevê crescimento pequeno da receita e um déficit primário de 0,6% do PIB. Se essa baixa receita se concretizar, a correção das pontas soltas, acima descritas, levará o déficit primário para 2% do PIB.

Além disso, temos que somar 0,3% do PIB em precatórios que serão expedidos, mas não pagos, graças às emendas constitucionais que autorizaram a postergação do pagamento.

Para uma taxa de juros real de 4% a.a. sobre a dívida pública e uma taxa de crescimento do PIB de 2% a.a. (duas condições benignas frente ao nosso histórico recente), o superávit primário necessário para que a dívida não cresça é de 1,5% do PIB. Realizar um déficit de 2,3% do PIB significa que estaremos 3,8 pontos percentuais do PIB (R$ 380 bilhões) distantes da condição de estabilidade da dívida.

O déficit nominal do Governo Federal, que inclui a despesa com juros, está previsto em 6,8% do PIB. Mas, com as despesas extras, iriam a 8,5%. No auge da crise fiscal, em 2015, ele chegou a 8,6%.

A menos que o governo empossado em 2023 consiga reorganizar as forças políticas que definem as decisões de gasto e tributação, continuaremos a nossa sina de entalo fiscal e baixo crescimento.

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