Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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Descrição de chapéu Banco Central

Sapo em banho-maria

Estamos nos contentando em evitar o desastre, e nem isso está garantido

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O texto do arcabouço fiscal aprovado na Câmara não entrega o básico: não estabiliza a dívida pública, as metas de receita e resultado primário são irrealistas, o limite de gastos é incompatível com o aumento real do salário mínimo e outras políticas já anunciadas.

Embora a maioria dos analistas concorde com este diagnóstico, houve uma recepção positiva ao texto. O argumento é de que uma regra ruim é melhor do que não ter regra, afastando o risco de "argentinização" das finanças públicas.

Também refletiria um novo papel do Congresso. Ao apertar os limites de gasto, em relação ao que foi proposto pelo Executivo, o Legislativo estaria fazendo um desejável check and balance, uma sinalização de que não avançarão pautas como o fim da autonomia do BC, a reversão do marco do saneamento ou da privatização da Eletrobras.

É muito pouco. Estamos nos contentando em evitar desastre, mas este risco não está afastado.

Deputados aliados do governo, líder do governo e o relator celebram a aprovação do projeto do arcabouço fiscal - Pedro Ladeira -23.mai.23/Folhapress

Um dia após à aprovação do PL na Câmara, o governo já passou a jogar contra a regra. Em oposição à necessidade de reduzir benefícios tributários, o presidente e o vice-presidente da República anunciaram novos benefícios para a indústria automobilística, para a produção de placas solares e semicondutores, assim como a renovação do Programa Rota 2030.

Quando a regra fiscal se chocar com a realidade, pior para a regra. Como aconteceu com o teto de gastos.

O governo avança, também, por fora do orçamento, escapando do alcance da regra fiscal: o BNDES já está operando com taxas subsidiadas para financiar inovação. Primeiro passo para acabar com a TLP, taxa de empréstimos sem subsídios, que foi uma importante reforma aprovada pelo Congresso em 2017.

Títulos emitidos pelo BNDES proverão recursos para retomar a equivocada política de crédito subsidiado a setores escolhidos, sem necessidade de transferências do Tesouro registradas no orçamento.

Os demais bancos públicos serão chamados a fazer empréstimos, sem garantias, a estados e municípios. Fundos de pensão das estatais estão disponíveis para financiar projetos de viabilidade duvidosa. A Petrobras dá os primeiros passos na manipulação de preços dos combustíveis.

Cedo ou tarde, tudo isso bate na dívida pública.

Até que ponto o Congresso barrará as más políticas? Dificilmente o Senado fará o papel de check and balance, vetando a nomeação de pessoas não adequadas à diretoria do Banco Central.

O Legislativo também patrocina novos e velhos benefícios tributários. Já impôs ao Executivo a prorrogação de benefícios fiscais ao setor de eventos e às santas casas. Está encaminhando a renovação da desoneração da folha de pagamentos e de benefícios da Sudam e Sudene.

É ingênuo achar que o Congresso das emendas parlamentares e dos grupos de interesse tenha se tornado, do dia para noite, um guardião das boas políticas. No máximo, resistirá a retrocessos emblemáticos, como a revogação explícita de reformas recentes. Porém, no varejo, business as usual, tão mais lucrativo e prejudicial ao interesse público quanto mais fraco estiver o Executivo.

A surpresa positiva com o crescimento do PIB parece indicar que cenários ruins estão fora do radar. Precipitação.

Chamar um PIB anual perto de 2% de "pibão" dá ideia da mediocridade a que nos acostumamos. Outros indicadores, com melhora na margem, mantêm-se em nível ruim. A bolsa está no mesmo nível nominal de novembro de 2019. Juros reais 5,3% em títulos de longo prazo é até bom para quem pagava 6,3% dois meses atrás, mas ainda é muito, refletindo incerteza quanto ao fiscal e a inflação.

Ademais, a ficha não cai de uma vez. O sapo vai sendo cozido em fogo brando, sem perceber. Quando, por exemplo, o Banco Central deu uma guinada na política monetária, em setembro de 2011, as expectativas de inflação, embora tenham reagido de imediato, demoraram a se estabilizar em patamar mais alto. Depois do salto inicial, continuaram subindo aos poucos.

De modo similar, o resultado primário estrutural caiu sistematicamente de 2007 até 2014, tornando-se negativo já em 2010, mas só houve correria no mercado quando a dívida pública perdeu o grau de investimento em 2015. O "pibão" de 2010 foi devolvido pelo desastre de 2014-16.

O que se tem comemorado é a chance de permanecermos na mediocridade. Mesmo isso pode ser frustrado.

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