Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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Defesa nacional ou segurança pública?

Gastamos bilhões nos preparando para a guerra, mas não garantimos segurança pública

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A violência tem mostrado várias faces. O atentado terrorista contra Israel ampliou o espectro de guerra, já vivido com a invasão da Ucrânia. No Brasil, as chacinas de médicos no Rio de Janeiro e de uma família na Bahia evidenciam o descontrole do crime organizado.

A guerra assusta. Mas o envolvimento do Brasil não irá além do resgate de concidadãos e cooperação diplomática. Dificilmente mandaremos tropas e equipamentos para o conflito. Tampouco há risco de confronto com nossos vizinhos. Já o crime organizado, há décadas mata e espalha terror pelo país.

Soldados do Batalhão da Guarda Presidencial, que fazem a proteção do Palácio da Alvorada
Soldados do Batalhão da Guarda Presidencial, que fazem a proteção do Palácio da Alvorada - Pedro Ladeira/Folhapress

A segurança pública deveria ser prioritária em relação à defesa nacional. No entanto, em 2022, segundo as estatísticas da COFOG (Classificação de Função do Governo) do Tesouro Nacional, o governo federal gastou R$ 52 bilhões com defesa nacional, contra apenas R$ 22 bilhões com segurança pública. No período 2010-2023, essa diferença oscilou entre 100% e 170% a favor da defesa nacional.

Não cabe o argumento de que segurança pública é tarefa dos governos estaduais e não da União. O crescimento do crime já nacionalizou o problema faz tempo. Criou-se o SUSP (Sistema Único de Segurança Pública), mas entra governo e sai governo e o que temos são planos de afogadilho, sempre que o noticiário traz fatos chocantes.

Também se pode dizer que as Forças Armadas ajudam na segurança pública. Mas o fazem de forma tópica e temporária, como na intervenção no Rio de Janeiro e nas operações de Garantia da Lei e da Ordem. Isso não substitui a necessidade de que a segurança pública desenvolva os métodos, treinamentos e equipamentos mais adequados a lidar com um problema de natureza distinta da especialidade das forças armadas.

O custo da política de defesa, apontada acima, está subestimado, pois as estatísticas do COFOG tratam o gasto com aposentadorias e pensão de forma separada, na função "proteção social". Os inativos e pensionistas militares têm peso grande: recebem 63% do valor total da folha, contra 44% no caso dos servidores civis.

Essa diferença vai aumentar. A reforma da previdência militar foi muito mais suave que a dos civis, como mostram Bernardo Schettini e Thais Vizioli no livro "Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil".

Foi mantida a integralidade e paridade do vencimento dos inativos, as pensões por morte são integrais e vitalícias, inclusive para as "filhas solteiras". Não há contribuição nem idade mínima de aposentadoria. Em paralelo, aprovou-se um plano de carreira benevolente. O efeito líquido foi um aumento de custos de R$ 6 bilhões por ano.

Comparando 2022 com 2010, a folha de pagamento dos civis do governo federal caiu 11% em termos reais, a dos militares cresceu 9%.

O "Plano Nacional de Defesa" e a "Estratégia Nacional de Defesa", documentos oficiais das Forças Armadas, propõem aumentar ainda mais o gasto do setor, para 2% do PIB, valor equivalente ao de países que vivem sob real ameaça de conflitos. Além disso, expõem uma obsessão por subsidiar a fabricação de equipamentos bélicos: a "base industrial de defesa", que geraria desenvolvimento econômico e tecnológico.

Curioso que o documento não cogite providências práticas, como realocar o contingente militar para a fronteira, que é onde deve estar a proteção do país contra invasões. Oficiais e praças continuam concentrados no Rio de Janeiro, "de frente para o mar, de costas pro Brasil".

O Novo PAC prevê R$ 52,8 bilhões de investimentos em "inovação para a indústria da defesa". É o segundo maior item do plano entre os financiados por recursos públicos, perdendo apenas para o investimento em rodovias (R$ 73 bilhões). "Segurança pública com cidadania" fica com magros R$ 800 milhões.

Para nos preparar para uma guerra improvável, o governo distribui prebendas a militares e a fabricantes de armas. Ao mesmo tempo, somos incapazes de conceber e financiar políticas que impeçam a expansão da barbárie. Torçamos para que, pelo menos, os criminosos não continuem roubando armas do Exército, e que os atiradores registrados (CAC) sejam efetivamente controlados.

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