Marcos Augusto Gonçalves

Editor da Ilustríssima, formado em administração de empresas com mestrado em comunicação pela UFRJ. Foi editor de Opinião da Folha

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Marcos Augusto Gonçalves
Descrição de chapéu Banco Central

Banco Central precisa se comunicar em português

Linguajar enigmático que exige intérpretes especializados não é republicano

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O comunicado do Banco Central, divulgado logo após a reunião do dia 21 de junho, causou desorientação mesmo entre os chamados agentes econômicos. Como se sabe, formara-se antes do encontro uma opinião mais ou menos generalizada de que o Copom manteria a taxa Selic mas apontaria para o início de sua redução em agosto, quando novamente se reunirá.


Só que não: o texto girou em falso, foi para lá e para cá, e ninguém de fato soube explicar o que os luminares iriam fazer. Foi preciso, em meio a reclamações, interrogações e cobranças, que a ata do Copom, posteriormente divulgada, se mostrasse menos opaca sobre as divergências internas e acenasse com o dedinho para agosto.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, MERCADO) - Folhapress

Se a matéria econômica já é escura, tudo fica ainda mais complicado com essa tradição de comunicados do BC em linguajar enigmático, que pede o trabalho de intérpretes especializados para que os mortais possam mais ou menos saber o que está se passando. Nesse louvável esforço, aliás, o editorial desta Folha que se seguiu à reunião de junho notou que o texto, no "jargão típico" da instituição, deixava entrever alguma perspectiva de queda dos juros em agosto, entre outros motivos, pela "alteração dos tempos verbais", algo evidente, como alertou o editorialista, "só para os afeitos à exegese aplicada aos comunicados do BC".

Está aí, então, uma boa oportunidade para alguém lançar um livrinho tipo "Para Entender o BC"... Com aquele caudaloso glossário e os significados misteriosos do uso de tempos verbais –esperemos.

A autonomia que o Congresso conferiu à autoridade monetária parece ter reforçado sua aura metafísica, como se as regras para aplacar a influência do Executivo a colocassem numa dimensão extraterrena. O acirramento das discussões iniciadas pelo presidente Lula, que desde o início de seu governo partiu para cima do presidente da instituição, Roberto Campos Neto, com uma retórica dura, para dizer o mínimo, fez com que se encorpasse, em sentido oposto, a fidelidade ortodoxa do séquito de apóstolos –gerando-se uma discussão quase que religiosa entre hereges e fiéis.

De certo modo, as regras da autonomia, feitas para conter a politização, acabaram por acentuá-la. Não no sentido da influência direta do governante sobre o BC, mas sob a forma de uma polarização em torno do "reduz ou não reduz" a taxa, na qual argumentos foram trocados por verbosidade dogmática e politizada, mesmo que em alguns casos sob aparência "técnica".

Se Lula usou termos pouco gentis, é fato também que Roberto Campos Neto deu margem para ataques. Um presidente do BC cujo mandato se estenderá dois anos adentro de um novo ciclo da Presidência da República (não poderia ser menos?) não deveria cometer a infantilidade provocativa (agora um mico completo) de sair para votar com uma camisa amarela bolsonarista. Deveria também zelar para que seus textos e declarações não contivessem pinceladas políticas e palpites sobre temas governamentais que não são de sua alçada.

Neste momento em que se desenha uma reversão das expectativas sombrias que muitos (alguns com a mão visível da ideologia) projetavam sobre os destinos da economia sob Lula, todos ganharíamos se o BC, a exemplo do que sugeriu na recente ata, fosse menos prolixo em seus sinais. Trata-se, afinal, de uma instituição pública, que deveria se comunicar com a sociedade de maneira republicana e objetiva –ou seja, em bom português, não em linguagem "bíblica" cifrada, bastante útil, aliás, para dissimulações. Já fica a dica para Gabriel Galípolo, prestes a ingressar na diretoria, que é visto por alguns como o nome para a futura presidência da instituição.

Menos mal que Roberto Campos Neto irá ao Senado para as previstas e necessárias explicações sobre a atuação do banco. Que possa conseguir esclarecer os motivos de uma taxa real de juros elevadíssima na comparação com outros países, e dizer como avalia sua autonomia em relação ao Executivo e ao mercado financeiro.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.