Marcus André Melo

Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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Marcus André Melo

A profecia de Lima Barreto

Há um século, escritor antecipou as patologias políticas que nos afligem hoje

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"Os Bruzundangas" foi publicado há 101 anos. Nele Lima Barreto zombou das patologias políticas que afligiam o país. A crítica acerba é surpreendentemente atual. Basta ler o noticiário sobre os Três Poderes. O presidente, que em Bruzundanga se chamava Mandachuva, cooptava todos a sua volta. Não havia oposição.

Lima alertava: "Toda a vez que um artigo desta Constituição ferir os interesses de parentes de pessoas da 'situação' ou de membros dela fica subentendido que ele não tem aplicação no caso". "Na constituinte, todos esperavam ficar na ‘situação’, de modo que o artigo acima foi aprovado unanimemente." E acrescentava: "Se algum recalcitrante, à vista de qualquer violação da Constituição, apelava para a Justiça (que lá se chamava Chicana), logo a Corte Suprema indagava se feria interesses de parentes de pessoas da situação e decidia conforme o famoso artigo."

Ilustração de Fernando Vilela para o livro "Os Bruzundangas", de Lima Barreto, que foi republicado pela Carambaia, com posfácio de Beatriz Resende
Ilustração de Fernando Vilela para o livro "Os Bruzundangas", de Lima Barreto, que foi republicado pela Carambaia, com posfácio de Beatriz Resende - Divulgação - 8.jun.2017

Mas havia um paradoxo aí. "Como todo o mundo não podia pertencer à ‘situação’, os que ficavam fora dela, vendo os seus direitos postergados, começavam a berrar, a pedir justiça... Se eram vitoriosos, formavam a sua ‘situação’" e começavam a fazer o mesmo que os outros. Havia apelo para a "’Chicana’, mas a Suprema Corte, considerando bem o tal artigo já citado, decidia de acordo com a 'situação’".

E, sim, havia os privilégios: "Não há lá homem influente que não tenha, pelo menos, trinta parentes ocupando cargos do Estado; não há lá político influente que não se julgue com direito a deixar para os seus filhos, netos, sobrinhos, primos, gordas pensões pagas pelo Tesouro da República".

E também isenções, tarifas e regras especiais: "Um certo governador, grande plantador de café, verificando a baixa de preço que o produto ia tendo, de modo a não lhe dar lucros fabulosos, proibiu o plantio de mais um pé que fosse da preciosa rubiácea. Houve então um cidadão que pediu habeas corpus para plantar café. A Suprema Corte, à vista do tal artigo citado, não o concedeu, visto ferir os interesses do presidente da província, que pertencia à ‘situação’".

O diálogo entre Mandachuva e o ministro do Tesouro, Doutor Karpatoso, mostra como se resolvia o déficit público:

— O orçamento fecha-se sempre com déficit. Este cresce de ano para ano... Tenho que satisfazer compromissos no estrangeiro... Espero que você me arranje um jeito de aumentarmos a receita.

— Não há dúvidas! Vou arranjar a cousa!. E triplicou os impostos.

Complacência do Judiciário, privilégios, isenções, déficits. E mais: banquetes, tertúlias e homenagens eram tão comuns que Bruzunganda criou sua própria Guarda do Entusiasmo, com dez mil homens, dedicada a festejar magistrados, políticos, personalidades!

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