Em vários países, as esquerdas debatem como acomodar seu tradicional compromisso com as lutas pela redistribuição dos frutos do trabalho coletivo com a chamada pauta identitária, que transporta a questão da equidade para outras esferas: modelos de família, relações raciais, atitudes diante de diferentes gêneros, etnias e culturas.
Sobretudo nos Estados Unidos, a discussão é ácida. Prova disso são os recentes livros da filósofa Susan Neiman, "Left Is not Woke" (a esquerda não é identitária, em tradução livre), e do cientista político Yascha Mounk, "The Identity Trap" (a armadilha da identidade).
Assim como o economista francês Thomas Piketty fala de uma esquerda brâmane, equiparando-a à casta dos sacerdotes na antiga Índia, ambos os autores localizam a origem da agenda identitária na elite universitária.
Os críticos apontam um zangado indicador contra o que entendem ser o pouco-caso com as angústias dos trabalhadores mais carentes e dos setores médios empobrecidos. E acreditam de todo impossível que as duas formas de conceber a justiça social possam se reconciliar em um projeto progressista politicamente viável.
Ecos desse debate começam a se ouvir no Brasil, em reação a manifestações extremas da retórica identitária. Mas aqui a questão tem outros contornos.
No PT, desde a sua fundação, as demandas por direitos de grupos específicos conviveram — não sem conflitos— com a luta contra a pobreza e as desigualdades de renda. Assim como dão vida e fisionomia própria ao PSOL, além de estarem tensamente representadas no governo Lula 3.
O principal desafio comum aos seus similares é encontrar formas de falar com os muitos brasileiros que se situam politicamente além das fronteiras das esquerdas. Estas, mesmo detendo a Presidência, têm o apoio de apenas uma pequena parcela da sociedade. Aquela maioria alheia à esquerda é hoje diligentemente disputada pela direita reacionária, que mobiliza emoções em defesa dos valores e tradições postos em xeque pelas lutas identitárias mas se opõe, isso sim, a todas as formas de justiça social, seja ela a melhor distribuição da riqueza socialmente gerada; o tratamento respeitoso devido a um concidadão negro; ou o reconhecimento do direito de povos indígenas às terras de seus ancestrais.
No discurso de posse como presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou que a defesa de direitos humanos, neles incluídas as aspirações de diferentes minorias, é uma causa da humanidade —não só dos progressistas.
Mas a eles é que cabe encontrar a forma de persuadir os demais dessa verdade elementar.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.