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'Depois de Piketty' aponta lacunas, mas é um elogio à relevância do economista

Francês recebe reverências e responde a ressalvas por seu 'O Capital no Século 21' em novo livro

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Oscar Pilagallo

Jornalista, é autor de 'História da Imprensa Paulista' (ed. Três Estrelas) e 'O Girassol que nos Tinge – Uma História das Diretas Já, o Maior Movimento Popular do Brasil' (Fósforo)

"Depois de Piketty" é um elogio, ainda que pelo avesso, a "O Capital no Século 21", livro que, há dez anos, catapultou seu autor, o jovem e desconhecido francês Thomas Piketty, à posição de celebridade mundial, condição rara para um economista.

O livro recém-lançado é composto por artigos de duas dúzias de economistas que, reconhecendo méritos na obra, se debruçam sobre suas lacunas, apontam deficiências de pesquisa e oferecem contrapontos. As eventuais reverências vêm acompanhadas de ressalvas.

homem branco de terno claro cruza os braços enquanto olha para fora de janela
O economista Thomas Piketty na Escola de Economia de Paris - Christopher Morris

Trata-se de elogio na medida em que, para um intelectual, nada é mais recompensador do que testemunhar a relevância e a atualidade de suas ideias, o que os autores julgam ser o caso, ou elas nem mereceriam sua atenção.

A tese original de Piketty, estruturada com apoio de pesquisa histórica focada nos países ocidentais mais industrializados, é que se caminha para uma desigualdade social cada vez maior, uma vez que o rendimento do capital —na forma de lucros, dividendos, aluguéis, aplicações financeiras— tem sido maior do que o crescimento da economia, processo que provoca maior concentração da riqueza.

Para ele, mantida essa tendência, a situação irá desaguar no maior acúmulo de fortunas em detrimento do bem-estar da maioria, com a mesma intensidade observada durante a Belle Époque, nas décadas da virada para o século 20, quando o capitalismo operava sem freios.

Mais tarde, depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a desigualdade cedeu por um hiato de 30 anos, até que crises econômicas sucessivas voltaram a acentuar a concentração da renda.

Não há consenso em relação à sinistra projeção do estudioso. Economistas de corte liberal, mais otimistas, acreditam que o livre mercado é autocorretivo e dispõe de mecanismos que, a médio prazo, conduzem as diversas camadas sociais a rotas convergentes, o que tenderia a diminuir a desigualdade.

Pura ilusão, rebate Piketty. Para o francês, a desigualdade só pode ser combatida por meio de uma política tributária progressiva, em que os que têm mais renda e bens paguem proporcionalmente mais impostos.

O economista afirma que esse imposto progressivo sobre o capital teria impacto social comparável "a uma reforma agrária permanente" e contribuiria para "a reapropriação democrática do capitalismo", como escreve no capítulo em que responde às críticas de seus pares.

A proposta inclui um imposto substancial sobre heranças, de maneira a evitar a predominância de um capitalismo patrimonial, resistente à destruição criativa que acelera o crescimento da economia.

Para contornar a possibilidade de que bilionários recorressem a paraísos fiscais, Piketty sugere a criação de uma taxa global, mesmo admitindo que um esquema tributário que ignorasse fronteiras não seria factível no horizonte atual.

Com mais de 2 milhões de livros vendidos em três dezenas de idiomas, o autor best-seller costuma ser atacado pelos dois polos do espectro ideológico.

Os liberais, que obtêm mais ressonância na mídia tradicional, fazem restrições ao intervencionismo do Estado que ele defende para moderar os excessos do capitalismo.

À esquerda, é tachado de reformista por enfatizar a desigualdade como resultado da má distribuição da renda, e não decorrente do próprio sistema de produção capitalista, de acordo com a análise marxista.

Em "Depois de Piketty", no entanto, a maioria das críticas, mais do que confrontar o cerne do seu pensamento, visa aspectos não aprofundados na pesquisa em xeque.

A historiadora Daina Ramey Berry faz reparos à abrangência do estudo do francês, ao notar que ele não considerou a riqueza gerada pelos escravos. Em outro artigo, o economista Christoph Lakner, do Banco Mundial, desaprova o fato de Piketty não ter contemplado também a desigualdade entre países, que estaria diminuindo desde o início deste século.

Para citar mais um exemplo, Eric Nielsen, especialista em capital humano, chama a atenção para a importância da educação na mobilidade social, aspecto que teria escapado a Piketty.

Em sua resposta, o francês concorda: "Políticas fortemente igualitárias, no nível da educação infantil, são parte da solução, provavelmente em conjunto com [...] políticas de ação afirmativa nos sistemas de admissão ao ensino superior". E vai além ao desancar "a hipocrisia escancarada dos discursos meritocráticos contemporâneos".

Ao contrário de "O Capital no Século 21", que tem uma camada acessível a leigos, "Depois de Piketty" é dirigido a economistas. O livro também ignora o Brasil, por insuficiência de dados sobre distribuição da riqueza.

Sua leitura, de qualquer maneira, pode contribuir para o debate que se avizinha, sobre a segunda fase da reforma tributária do governo Lula, quando a progressividade tributária estará na mira da proposta do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a ser levada ao Congresso.

Depois de Piketty: A Agenda para a Economia e a Desigualdade

  • Preço R$ 139 (752 págs.)
  • Autoria Heather Boushey, J. Bradford DeLong e Marshall Steinbaum (org.)
  • Editora Estação Liberdade
  • Tradução Alexandre Hubner, Luciano Vieira Machado e Marcelo José Ferraz Ferreira
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