Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mariliz Pereira Jorge

Por que fechamos os olhos para a violência doméstica?

Nos fingimos de surdos e nos calamos para os pedidos de socorro

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A resposta é simples e dolorosa. Porque sempre foi assim. Porque a violência doméstica é uma herança social da nossa história. Juridicamente os homens perderam o direito de posse, mas na prática ainda se consideram donos de suas mulheres. E a sociedade tem essa mesma percepção. Por isso, ninguém se mete, todo mundo faz de conta que não vê. Nos fingimos de surdos para os pedidos de socorro e nos calamos quando deveríamos gritar tanto quanto as vítimas.

Temos opinião sobre tudo nas redes sociais, de soluções para o desemprego no Brasil ao plástico acumulado na ilha Henderson no Pacífico, mas não temos a capacidade de tomar uma atitude na hora em que um brucutu resolve bater, violentar, matar uma mulher. E isso precisa mudar.

Hoje, metade de 2018, se visse ou ouvisse uma mulher em apuros não tenho a menor dúvida de que a ajudaria. Poderia ser um grito vindo do apartamento ao lado, de dentro de um carro, do outro lado da rua.

Tenho certeza de que faria o que estivesse ao meu alcance, ligar para a polícia, bater na porta, arrancar os cabelos do agressor, ainda que eu mesmo acabasse apanhando. Não conseguiria colocar a cabeça no travesseiro e pensar que em algum lugar do mundo tem uma moça, que poderia ser eu, com o olho roxo, o estômago socado, o coração dilacerado.

Hoje, eu viraria um bicho para ajudar outra mulher, mas durante parte da minha história não tenho também a menor dúvida de que teria me comportado como uma covardona e ignorado o apelo, calçada nessa lei informal sob a qual vivemos durante séculos de que em briga de marido e mulher não se mete a colher.

Eu agiria como a maioria das pessoas. Aumentaria o volume da TV, atravessaria a calçada, fecharia o vidro do carro e seguiria com minha vidinha sem lembrar que alguém, que poderia ser eu, estava em algum cantinho encolhida de dor e talvez de vergonha, por ter sido espancada.

Houve muita cobrança quando as imagens de segurança mostraram o desespero da advogada Tatiane Spitzner sendo agredida pelo marido. Percebe-se que ela gritou e pediu socorro, mas não teve resposta de vizinhos ou da portaria do prédio.

Imagens de câmeras de segurança do prédio mostram agressões do marido suspeito pela morte da advogada Tatiane Spitzner - Reproducao/G1

Quero acreditar que essas pessoas estejam meio mortas por dentro por não terem feito nada para evitar aquela tragédia. No entanto, não acredito que seja a hora de bancarmos a inquisição, mas de mudarmos essa realidade.

Talvez o porteiro sempre tenha sido orientado a não se meter na vida dos moradores. Talvez os vizinhos tenham entrado naquele transe que nos acomete, sim, em situações para as quais não estamos preparados. Pouca gente sabe de fato como reagir. Não porque somos maus, mas porque nunca fizemos diferente.

Vamos abaixar os dedos apontados, diminuir a cobrança raivosa. O momento é de reflexão e de mudança de atitude. Precisamos acabar de vez com a passividade coletiva que reina quando o assunto é violência doméstica.

Não é possível mais aceitar essa cumplicidade silenciosa e criminosa que dita o comportamento da sociedade. Século 21, estamos quase em 2019. Cada vez que uma mulher é assediada, estuprada, apanha ou é morta, e não fazemos nada por ela, somos também culpados.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.