Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge
Descrição de chapéu Coronavírus

O pior está por vir

A cada semana que o tal do pico não chega, nosso instinto de sobrevivência afrouxa

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Ainda não sei se as pessoas não entenderam ou fazem de conta que não entenderam. Não será um mês, nem serão dois. E eu sou do time que sempre acha que não vai chover, que os sinais vão se abrir, que a vida é justa, apesar de saber que não é.

Todas as notícias mostram que só por um milagre não seremos devastados pelo coronavírus. E como não acredito nem em milagres nem nas coisas que o presidente diz, fico com as informações chanceladas pela ciência e pelos especialistas. E o que eles dizem não é nada animador. Então, mesmo com todo o otimismo de que sou provida acho que estamos numa grande enrascada por muitos meses. Quatro? Cinco? Seis? Um ano? Duvido que alguém tenha essa resposta, no momento.

Pessoas na praça do Pôr do Sol, na zona oeste de São Paulo, fechada por placas de metal
Pessoas na praça do Pôr do Sol, na zona oeste de São Paulo, fechada por placas de metal - Bruno Santos - 10.abr.20/Folhapress

Muitos meses para começar a tirar o nariz para fora da toca, para começar a circular com alguma segurança, sabendo que poderemos enfrentar outras ondas de contaminação, que nos farão voltar ao confinamento, até que se desenvolva uma vacina, que remédios sejam usados com segurança.

Nesta segunda-feira (13), uma projeção feita pelo Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (Nois) mostra que o número real de casos de Covid-19 pode ser 12 vezes superior ao divulgado pelo Ministério da Saúde. Levando em conta que somos o país que menos testa entre os 14 mais atingidos pela doença, esse dado não é exatamente uma surpresa, mas não deixa de ser assustador. Isso nos colocaria no patamar de 300 mil infectados. Em bom português, somos uma bomba-relógio prestes a explodir e mandar os atingidos para os hospitais que já operam perto de sua capacidade máxima.

Já estamos há um mês em quarentena, boa parte das pessoas se recolheu, mudou a rotina, tenta se adaptar a uma vida sem sair de casa. Mas mesmo com o horizonte carregado que temos pela frente, há muita gente já calculando os dias para que o isolamento acabe e que a vida volte a normal. Num processo de negação, acreditam que assim que o pico da doença nos atingir entraremos numa contagem regressiva para que a libertação de nossas próprias casas seja, enfim, alcançada. E seguem empurrando com a barriga o encontro inevitável com a realidade.

A gente acredita desacreditando no cenário apocalíptico pintado por especialistas. A gente não acredita, mas sabe que precisa acreditar, que dificilmente escaparemos do roteiro seguido por Itália, Espanha e Estados Unidos. Gostamos de nos iludir. Como podem prever centenas de milhares de mortos se morreram “APENAS” pouco mais de mil? Como assim não haverá leitos de hospital se “AINDA” não vemos gente morrendo em casa, corpos empilhados em caminhões ou largados no meio da rua? As teorias da conspiração ganham fôlego. E assim seguimos feito o nosso presidente-decorativo que não acredita em nada, tapando a tragédia que se desenha num breve futuro com muito álcool em gel e doses de Netflix.

A cada semana que o tal do pico da doença não chega e a avalanche de mortes não se concretiza, nosso instinto de sobrevivência afrouxa mais um pouco. As pessoas só vão se dar conta de que é grave, de que a crise não vai durar só um ou dois meses, de que os sacrifícios pessoais serão enormes, e que a cobrança ainda não começou a chegar, quando o caos estiver entre nós, quando perdermos familiares, amigos, colegas de trabalho.

Gostaria que a previsão de colapso no sistema de saúde não se concretizasse, que as projeções de mortes estivessem superestimadas, que “o vírus já esteja indo embora”, como afirmou Bolsonaro, que a vida voltasse ao normal em breve, mas ao que tudo indica o pior ainda está por vir. ​

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