Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge

Pelo direito de não amadurecer

Personagens de 'Sex and the City' continuam fiéis às suas essências, tentando lidar com o tempo

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Bastaram dois episódios de "And Just Like That...", a continuação de "Sex and the City", para perceber que, mesmo entre muitas amigas, o discurso "mulher pode ser o que ela quiser" é só, bem, um discurso. Li e ouvi reclamações variadas de que as personagens da série "envelheceram mal", "estão chatas", "não amadureceram". Eu gostei. A impressão que tive é que os anos passaram e elas continuam muito fiéis às suas essências, tentando lidar com o tempo, com todas as mudanças na sociedade, aprendendo a se relacionar com as novas gerações, com a tecnologia e com os novos códigos sociais.

Não gosto necessariamente de todas as características das personagens, mas vejo um pouco de cada uma delas em várias pessoas com quem convivo e em mim mesma. A maior cobrança que percebi nesse retorno foi sobre amadurecimento. Agora, com seus 55 anos, Carrie, Miranda e Charlote não teriam amadurecido. Carrie continuaria fútil com seu amor por sapatos e roupas. Charlote, a típica conservadora, acha que o mundo gira em torno dela e da família. Miranda, tentando adaptar o seu engajamento social às demandas atuais, sem entender exatamente como.

Cena da série "And Just Like That...", continuação de "Sex and the City" - Divulgação

Por que temos que amadurecer? Por que temos que ter uma postura considerada adulta diante do mundo? Por que temos que abandonar parte da personalidade depois de uma certa idade porque parece infantil, chato, superficial? Por que temos que nos enquadrar em algum modelo invisível para parecermos mais... maduras?

Eu sempre me pergunto se a minha falta de maturidade em relação a muitas coisas na vida tem a ver com a decisão de não ter filhos. Não tenho horários rígidos, não preciso deixar de comprar uma roupa porque deveria investir em material escolar. Posso dormir tarde sem me preocupar em acordar para levar criança para a escola. Meu vocabulário é recheado de palavrões e de memes. Não faço planos a longo prazo. E isso inclui comprar uma casa para viver, deixar alguma herança para garantir o futuro de alguém que dependa de mim. Também não preciso me preparar para coisas como "síndrome do ninho vazio" ou, sei lá, ter um genro bolsonarista.

Não quero ter saudade da garota que já fui um dia. Espero que a minha natureza sempre me acompanhe. Não quero olhar pra trás e perceber que deixei pelo caminho parte de coisas de que gosto em mim em nome de ser madura apenas porque estou ficando mais velha, apenas porque alguém acha que é hora de agir como uma mulher de 49 anos supostamente deveria agir. Não quero deixar de ser debochada, brincalhona, inconsequente, ok, talvez menos inconsequente seja melhor. E nada disso tem a ver com o desejo de ser eternamente jovem. Apenas com a vontade de ser eternamente eu, mesmo que a cervical esteja combalida.

Na semana passada, encontrei uma amiga depois de uns dez anos. O tempo parecia não ter passado. Ela teve a mesma impressão sobre mim. Não falo fisicamente. É claro que há mudanças visíveis em nossa aparência. Falo sobre essa essência que cada um de nós carrega e às vezes vai se perdendo ou dando lugar a características que, sei lá por que, achamos mais apropriadas para o trabalho, o casamento, a vida. Nada tinha mudado. O que somos, o que escolhemos ser, o que nos aproximou e ajudou a criar laços que se eternizaram mesmo com a distância. Não houve estranhamentos.

Ao reencontrar Carrie, Charlote e Miranda, senti o mesmo. Elas continuam como sempre foram, com suas virtudes, defeitos, chatices, generosidades, futilidades. Envelhecer é sobre isso também: sobre aceitar as nossas imperfeições e não nos importar com o que os outros esperam de nós. Fiquei feliz por reconhecer minhas velhas amigas, aquelas por quem me encantei, me emocionei, me irritei, me aborreci, com quem chorei e me diverti tantas vezes. Ansiosa para saber sobre seus destinos daqui para frente.

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