Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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O legado do Lobby do Batom

Ainda precisamos de cotas para mulheres

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No dia da promulgação da Constituinte, num determinando momento, o deputado Ulysses Guimarães teria feito com as mãos um símbolo que hoje todo mundo saberia o que é, o de uma vagina. Era a comunicação usada por integrantes do Lobby do Batom, que tinha em Ruth Escobar uma das figuras centrais. Essa história é contada no documentário lançado em 2022, que leva o mesmo nome e que, por uma falha corrigida agora, consegui finalmente assistir.

Felizmente ainda no mês em que as discussões, balanços, cobranças por mais igualdade de gênero ganham espaço. Sem o trabalho de um grupo de mulheres incansáveis, nossa situação seria desesperadora. Estaríamos muito ferradas, vivendo no século 19, com estatísticas piores, sem direitos, com mais cobranças e tudo isso instituído pelo Estado.

Foto em preto e branco mostra vários mulheres na Câmara dos Deputados, em Brasília
Mulheres se manifestam na Câmara durante o processo de elaboração da Constituição de 1988 - Arquivo Agência Câmara

Ao longo do filme, dirigido pela diretora Gabriela Gastal, eu queria abraçar Ruth Escobar, Benedita da Silva, Jacqueline Pitanguy, Anna Maria Rattes, Comba Marques Porto, Hildete Pereira de Melo, Leila Linhares Barsted, Marina Colasanti, Schuma Schumaher e tantas outras que lutaram para mudar o futuro das gerações seguintes, para vingar o passado de mães e avós, que cresceram numa sociedade em que à mulher só restava o papel de cidadã de segunda categoria. Chorei, de alegria e de raiva. Vibrei, me emocionei. Reconheci naquelas mulheres, minha mãe, suas colegas e amigas, minhas tias, todas sempre muito atuantes e envolvidas nas discussões políticas e sobre sua própria condição, num tempo em que o país passava seu passado a limpo e que era urgente rever o espaço feminino na sociedade.

Na época da Constituinte (1987-1988), o Congresso era um deserto de representatividade, mas o movimento foi forte, capaz de aumentar a bancada para 26 mulheres. O que mais me pegou foi a união de forças de parlamentares de diferentes partidos em torno de uma causa comum, garantir que a nova Constituição Brasileira contemplasse os direitos das mulheres. Algo tão improvável de acontecer em 2024 quando vemos deputadas que tentam acabar com cotas de gênero, mesmo que a disparidade ainda seja enorme.

O Lobby do Batom é uma porrada elegante, mas didática ao discurso antifeminista que nega ao feminismo e às suas representantes a legitimidade de conquistas que começaram a nos tirar das trevas do patriarcado.

Gastal conseguiu reunir imagens que mostram o Brasil mulher. Um país com cara, reivindicações, desejos, ambições de gênero. As urgências de mudanças, o desejo de ser ouvida, a necessidade de que o nosso futuro fosse mais empático, acolhedor, justo e menos violento. São dessa época, campanhas importantes como "Quem ama não mata", algo que continua atual.

Se hoje, a presença feminina ainda enfrenta resistência, imagine o que foi isso há quatro décadas. O nome "Lobby do Batom" era um apelido pejorativo dado por homens que viam o movimento que só crescia com desimportância, como um hobby excêntrico, como se as discussões que aconteciam no país tratassem de supérfluo e não de questões fundamentais. Bem, o jogo virou, o nome foi adotado pelas integrantes do movimento, que fizeram da ironia a arma para marcar presença e ganhar espaço num ambiente predominantemente masculino.

A atuação do Lobby do Batom foi estratégica e abrangente, centrando-se em diversas áreas, como direitos reprodutivos, proteção contra a violência doméstica, igualdade de direitos no casamento e no trabalho, além de cotas para mulheres em cargos políticos. Essas mulheres enfrentaram resistências e preconceitos, mas conseguiram mobilizar apoio dentro e fora do Congresso Nacional, utilizando meios de comunicação, campanhas públicas e diálogos diretos com outros parlamentares para sensibilizar a sociedade e os tomadores de decisão sobre a importância de legislações que promovessem a igualdade de gênero.

O resultado de seus esforços foi a inclusão de diversos artigos na Constituição de 1988 que garantiram avanços significativos para as mulheres no Brasil —pelo menos na teoria. Entre esses, destacam-se a igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres, a proteção do mercado de trabalho da mulher mediante incentivos específicos, e o reconhecimento da licença-maternidade sem prejuízo do emprego e do salário. Essas conquistas não apenas solidificaram direitos fundamentais para as brasileiras, mas também marcaram a Constituição como uma das mais progressistas do mundo em termos de direitos de gênero na época.

Apesar dos avanços, o Lobby do Batom também enfrentou limitações e desafios. A resistência por parte de setores conservadores da sociedade e do próprio legislativo demonstrou que a luta pela igualdade de gênero necessitaria de um esforço contínuo. Muitas das medidas propostas pelo lobby ainda encontram obstáculos para sua implementação efetiva, refletindo a necessidade de vigilância e advocacia constante para assegurar que os direitos garantidos no papel se traduzissem em mudanças reais.

O filme sobre o Lobby na Assembleia Constituinte é um exemplo inspirador de como a união e a persistência na luta pelos direitos podem levar a mudanças significativas na legislação e na sociedade. Serve como um lembrete do poder do ativismo político feminino e da importância de garantir que as vozes das mulheres sejam ouvidas e respeitadas no processo político. Ainda hoje, o legado do Lobby do Batom ressoa como um chamado à ação para as novas gerações de mulheres na política, evidenciando a importância da representatividade feminina e da luta constante pela igualdade de gênero.

Para quem se interessar, está na Globoplay.

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