Mariliz Pereira Jorge

Jornalista e roteirista de TV.

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Mariliz Pereira Jorge
Descrição de chapéu Todas saúde mental

Como é viver com depressão

O remédio como bengala é uma constante para as dores nas cadeiras e na alma

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Setembro Amarelo é todo dia para quem enfrenta a depressão. Depois de 10 anos, aprendi muito sobre a doença e como viver com ela. De certa forma, o meu dia a dia não é diferente da maioria das pessoas. O mundo é que parece ter desaprendido que tristeza, frustração, desânimo, fazem parte. Ninguém vive ciclos ininterruptos de sentimentos, sejam eles bons ou ruins. Isso também vale para quem tem transtornos psicológicos, desde que estejam sob controle.

Para mim, o problema é quando nada me comove. E isso acontece sem aviso, quando estou distraída e a doença se sente ignorada. Ela volta a me assombrar, a me lembrar que minha cabeça dodói precisa mais do que o remedinho que me dá certo equilíbrio, que eu continuo na corda bamba e preciso levar minhas loucurinhas para o divã.

Sad alone woman lying the bed. Insomnia concept.
Apoie o Setembro Amarelo, uma campanha brasileira de prevenção ao suicídio, iniciada em 2013 - Burdun/Adobe Stock

É nessa parte que eu fujo, me saboto e fico lambendo minhas feridas sem coragem para enfrentar o psicanalista que não dirá que sou covarde, mas sei que é que ele pensa. Talvez eu seja mesmo. Por isso não saio do desconforto da minha zona de conforto e continuo sendo a promessa de tudo que prometi a mim mesma que seria, escritora, podcaster, apresentadora. Consigo me acomodar em minhas angústias porque elas já são velhas conhecidas e ficam ali quietinhas, anestesiadas.

Não deveria lidar com a depressão da mesma forma que maltrato a lombar. Mas, assim como adio a volta ao pilates ou à ioga, fujo da psicanálise. Quando a dor me tortura, apelo aos salompas, ligo para massagista e me automedico. Tudo errado, mas me convenço de que é só para alívio imediato, de que é a última vez que faço o que digo para as pessoas não fazerem. Sou ótima nisso.

O remédio como bengala é uma constante para as dores nas cadeiras e na alma, embora todos os dias pela manhã eu me sinta meio torta, meio travada e sem forças para me levantar. As urgências do dia me obrigam a apertar os olhos como se isso fosse suficiente para focar os pensamentos. Eu me alongo, o Tico e Teco se trombam, mas se dão as mãos e vão em frente.

Embora seja uma analogia engraçadinha, é o jeito errado de encarar meus quadris atrofiados e meus sentimentos em desequilíbrio. O remédio ajuda, mas precisa vir acompanhado daquela receita que todo mundo conhece, embora prefira ignorar: boa alimentação, bom sono, atividade física, relações profissionais e pessoais saudáveis. Para quem acorda com a nuvenzinha negra da depressão sobre a cabeça são mais do que complementos, assim como a relação estável e duradoura com um psicanalista. Mas eu tenho preguiça, assim como a maioria.

Não falho com o remédio, portanto fico refém da crença de que está tudo bem. Estou sempre num vaivém com a academia, bebo mais do que deveria, como menos legumes e frutas do que gostaria e evito o quanto posso o momento de ouvir em voz alta os meus problemas, que já aprendi a ignorar. Odeio sentir pena de mim mesma ainda mais quando a crise climática ameaça acabar com o mundo. Mas se eu não tentar salvar a mim mesma, será difícil até ser ativista de sofá para salvar a Amazônia.

Coincidência ou não, um pouco antes do Setembro Amarelo, uma amiga me ligou, desse jeito vintage que ninguém mais faz, e falou do jeito mais carinhoso do mundo que eu deveria conversar com alguém. E não era com ela. Ter uma escuta aberta e amorosa é importante, mas quem sofre de depressão precisa de outra mais distante para que chegue nas feridas que o remédio apenas remedia.

Foi um longo processo enfrentar o meu próprio preconceito e reconhecer que tenho uma doença crônica. Hoje, lido com essa questão com as janelas todas abertas, sem vergonha ou medo de julgamentos. Mas talvez ainda haja uma teimosia em reconhecer que não sou capaz de olhar tão fundo para essas dores e entender de onde elas veem. Preciso de alguém que me conduza e ilumine o caminho. Na semana passada, voltei para a terapia. Esta semana, chorei de alívio por ter pedido socorro.

Apoie o Setembro Amarelo, uma campanha brasileira de prevenção ao suicídio, iniciada em 2013. O mês foi escolhido porque desde 2003 o dia 10 de setembro é o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio.

ONDE PROCURAR AJUDA?

Mapa Saúde Mental
Site mapeia diversos tipos de atendimento: www.mapasaudemental.com.br

CVV (Centro de Valorização da Vida)
Voluntários atendem ligações gratuitas 24 h por dia no número 188: www.cvv.org.br

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