Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

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Moda entre milionários, Proust virou hit popular no Brasil da década de 1950

Jornada da obra do escritor francês nos trópicos é dissecada em livro

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Simpático ao integralismo e católico reacionário, Alceu Amoroso Lima soube de Proust em Paris, onde estudou nos anos 1910. Quem primeiro lhe falou dele foi Léon Daudet, um líder da Action Française, movimento monarquista e antissemita.

Numa carta a Jackson de Figueiredo, outro carola retrógrado, Amoroso Lima lhe diz que Proust “pertence à extrema direita, é intimamente ligado, senão associado, à Action Française”. O escritor nunca foi direitista. Mas foi amante de Lucien, irmão de Léon Daudet.

Tuberculoso, o poeta Ribeiro Couto tratou-se em Campos do Jordão. Nos anos 1920, mudou-se para São Bento do Sapucaí. Lá, viu uma moça na janela e, todo galante, se aproximou. Ana Pereira fechou-lhe a janela na cara. Couto persistiu no xaveco.

O pai da jovem pediu que ele desistisse, dizendo-lhe que ela “só tem um interesse na vida, a cultura e a literatura francesas, em particular a obra de Marcel Proust”. O poeta embrenhou-se em “Em Busca do Tempo Perdido” e a beldade, cujo apelido era Menina, capitulou: casaram-se.

Ilustração de Bruna Barros publicada na coluna de Mario Sergio Conti neste sábado, 5 de junho de 2021
Bruna Barros/Folhapress

Ribeiro Couto foi diplomata e amigo de Manuel Bandeira. Numa carta a ele, Bandeira mandou um recado à sua mulher: “Tenho vergonha de conhecer mal Proust (não ria, Menina!)”. Quando finalmente o leu, Bandeira amou-o a ponto de —assim como Carlos Drummond de Andrade— tornar-se um de seus tradutores.

Com a morte do marido, Menina se estabeleceu em Paris. Morava no Hotel Lutetia, onde um visitante a viu, podre de chique, “com seus gatos e volumes de Proust”.

Uma personagem central de Proust é Albertine. Ela foi modelada no seu chofer e amante, Alfred Agostinelli, e em serviçais a quem o romancista pagava —por sexo e/ou informações sobre como a alta roda se comportava em bordéis gays e restaurantes finos.

Um dos modelos de Albertine foi Henri Rochat, garçom no Ritz e secretário do escritor. O rapaz era malandro, e, para se livrar dele, Proust lhe arrumou um emprego no Recife, no Banco Francês e Italiano.

Rochat comprou um cavalo branco, chamado Pampa, e gastava os tubos. Para se justificar, contava que uma tia rica lhe mandava dinheiro de Paris. Tal “tia” seria o próprio Proust.

Gabola, Rochat exibia livros autografados do escritor —que ninguém conhecia. Acabou fugindo sem pagar da pensão onde morava, abandonando os livros. Eles foram parar nas mãos de um paciente de Jorge de Lima, o médico e poeta alagoano, a quem os deu de presente.

José Lins do Rego também ganhou alguns dos livros de Rochat. Gostou tanto deles que usou traços da Combray proustiana em “Menino de Engenho”. Já Jorge de Lima escreveu a primeira tese brasileira sobre Proust. Rochat morreu no Nordeste, não se sabe quando, como e onde.

Até serem traduzidos, e publicados de 1948 a 1956, os sete volumes de “Em Busca do Tempo Perdido” eram assunto de letrados ou milionários. Era preciso saber francês, ter dinheiro para importar livros e, claro, saber ler, o que não era óbvio: 65% dos brasileiros eram analfabetos nos anos 1920.

Retrato do escritor francês Marcel Proust
Retrato do escritor francês Marcel Proust - Reprodução

Assim, fundou-se no Rio um “Proust Club”. Fizeram parte dele Drummond, Sergio Buarque, Ciro dos Anjos, Ledo Ivo e Josué Montello. Quem financiava o clube era um dos homens mais ricos do país, o banqueiro Walther Moreira Salles.

Proust teve um pico de popularidade em 1956. A televisão engatinhava, circunscrevendo-se a São Paulo e Rio. Foi ao ar O Céu é o Limite, programa em que desconhecidos respondiam perguntas acerca de temas exóticos, ganhando prêmios pelo desempenho.

Por iniciativa do poeta Tulio de Lemos, a socialite Christiane Mendes Caldeira respondeu sobre Proust. Née Christiane Florence Perin, a francesa era telegênica. Fez sucesso e “Em Busca do Tempo Perdido” esgotou nas livrarias.

Lima Duarte conta que, quando ela passava, dizia-se nos pontos de ônibus: “Ela sabe tudo sobre Proust”. Anos depois, outra candidata foi chamada para falar sobre Proust: Gilda Oswaldo Cruz, filha do sanitarista que debelou a febre amarela. Todas essas informações, e muitíssimas outras, estão no livro, “Proust sous les Tropiques: Diffusion, Réceptions, Appropriations de Marcel Proust au Brésil”, publicado há pouco. Seu autor, Étienne Sauthier, suíço de mãe brasileira, é professor na França.

Ele entrevistou Antonio Candido e lhe dedica o livro. Nele, descreve uma cadeia de acasos, equívocos e acertos que cabe numa frase de Candido sobre a formação da literatura brasileira, adaptando-a a Proust: “O espírito do Ocidente procura uma nova morada nesta parte do mundo”.

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