Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

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Em tempos de Bolsonaro e pandemia, precisamos lembrar quem é elegante

A elegância não provém do dinheiro ou do luxo, basta olhar as figurinhas que esbanjam essa virtude

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A ignição da viralatice de Bolsonaro com a rudeza pandêmica pôs fogo no que havia de elegância. Não era muita. O trabalho esfalfante, a disputa pelo lixo dos ricos e a grossura mandona da classe dominante impuseram sempre um convívio áspero, exceto nas festas populares. Agora piorou horrores.

Vivemos num clima de briga de trânsito permanente, de uma tempestade de boletos, da internet que pifa a cada dez minutos —e dos bárbaros que nos assediam e querem encarcerar. Como disse Auden, “em dores de cabeça e preocupações vagamente a vida se esvai”.

Ilustração com uma cafeteira italiana, um bule, garrafas, taças, xícaras e copos de diversas cores e formatos com vários corações vermelhos saindo deles.
Publicada nesta sexta-feira, 27 de agosto de 2021 - Bruna Barros/Folhapress

Balzac define como elegante a pessoa voltada para os outros, com os quais compartilha o bom senso e a verdade. A elegância não provém do dinheiro ou do luxo. É a atitude de quem busca o convívio afável numa sociedade pacificada, a flor da utopia que brota no presente.

A elegância —valha-nos João Gilberto, herói civilizador da amabilidade— ainda é cultivada por um punhado de bons brasileiros. A seguir, um álbum de figurinhas da gente de boas maneiras inspirado no “Tratado da Vida Elegante”, de Balzac.

Batatinha: Mora na rua e bebe feito um gambá, mas nunca está bêbado nem inconveniente. Exerce o duro ofício de flanelinha nas Perdizes. Nunca pede dinheiro e, se o passante está de máscara preta, o chama de “meu Batman”.

José Luiz Magalhães Lins: Aos 92 anos, a primeira pergunta que faz numa conversa é: “Como está a saúde?”. E a segunda: “E a família, vai bem?”. Mora na casa mais bonita do Rio e serve só o que há do bom e do melhor. Ex-banqueiro, tem um descortino que poderia servir de modelo para nossa xucra elite. Anda fascinado com a política de Deng Xiaoping. Despede-se dizendo: “Que Deus o abençoe”.

Glória Kalil: É uma profissional da elegância sem nada de professoral. Foi a primeira a me falar que Bolsonaro seria eleito, isso numa época em que os tenores e as sopranos do colunismo político cantavam que isso era lorota, que o Brasil é um país em paz. Como conhece a alma nacional, fez uma segunda profecia: “Será duro ir para o exílio nessa altura da vida”.

Jânio de Freitas: Tem as mãos longas e as move com graça. Mais escuta do que fala. Prefere elogiar a descer o cacete. Não é fofoqueiro nem maledicente. É simples e sábio. Tudo isso, além do emprego impecável dos pronomes, configura alguém à margem dos costumes comuns aos jornalistas —uma categoria espaçosa e de deselegância lendária.

Otília Beatriz Fiori Arantes: Tem os gestos lindos e lentos de Maria Callas. Sua voz acetinada é um convite para que participe de uma pátria feita de inteligência, realismo e suavidade.

Danuza Leão: Sabe tudo, viveu a fundo, tomou todas, conheceu todo mundo. Poderia se gabar e se refugiar no passado, mas vive no presente e se comporta do mesmo jeito no Old Navy, em Paris, e no Morro da Babilônia, no Rio. Mantém distância de dondocas.

João Pedro Stédile: Cumprimenta todos pessoalmente quando chega, com efusão e num gauchês castiço. Ao se despedir, dá um tchau geral: “Boa luta!”. Entre uma saudação e outra, transita da cortesia com o indivíduo ao projeto coletivo de uma nação sem maganos de nariz empinado.

Constanza Pascolato: Aristocrata do espírito, diz que o cuidado brasileiro com os cabelos, a limpeza, a pele e as roupas é sinal que somos um povo que preza a aparência porque quer se congregar. E lança um repto —entre num ônibus em Milão e em São Paulo e diga qual povo tem um futuro promissor e perfumado.

Dorrit Harazim: Destoa da grei dos repórteres por ser alegre e otimista. Para ela, não há empregados nem patrões, e a ambos dispensa o mesmo tratamento reto e gentil. Cuida da gente com delicadeza. Suas brincadeiras afagam e sua crítica não fere.

José Miguel Wisnik: É a negação angelical do dito “jovens, somos vistos; velhos, precisamos nos mostrar —é duro, mas é verdade”, do “Tratado da Vida Elegante”. Desde 1973, não faz questão de ser visto e muito menos de se exibir. Seduz porque trabalha com capricho. É um professor que se comporta como aluno, quer aprender.

Júlio Lancellotti: O abrutalhado se cobre com um moletom chinfrim, o rico ostenta a posse de mercadorias luxuosas, o bocó se enfeita para ocultar o seu vazio —o elegante se veste com a generosidade nua.

Djamila Ribeiro: Demonstra que a elegância não comporta superioridades superficiais —as únicas diferenças que contam são a da harmonia exterior e da força interior.

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