Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Martin Wolf
Descrição de chapéu Financial Times

A zona do euro está condenada a sobreviver

Uma dissolução causaria imenso estrago na ordem frágil construída

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Como muita gente aos 20 anos, a moeda comum europeia experimentou uma adolescência traumática. Houve diversos momentos em que muitos pensavam que ela não chegaria a essa idade mais madura. Mas chegou. E isso é um sucesso. No entanto, a experiência foi tão difícil que necessariamente desperta questões sérias. Nessa avaliação de aniversário, considerarei quatro delas.

Primeiro, o euro foi uma ideia sensata? Em um discurso lúcido no mês passado, Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu (BCE) —em minha opinião, uma das duas pessoas (a outra é a primeira-ministra alemã Angela Merkel) mais responsáveis pela sobrevivência do euro —explicou os motivos da criação da moeda unificada.

Teria sido impossível, ele argumentou, manter a integração profunda do mercado único sem a moeda única. Assim, "o apoio ao mercado único seria solapado em longo prazo se as empresas que investiam em elevação da produtividade pudessem se ver privadas de alguns dos benefícios desses investimentos por meio de manobras egoístas de desvalorização cambial conduzidas por outros países. Os mercados abertos não teriam perdurado".

Mulher com bandeira da União Europeia em frente ao Parlamento britânico
Mulher com bandeira da União Europeia em frente ao Parlamento britânico - REUTERS

Mas também estava muito claro que o euro seria arriscado. Uma política monetária comum poderia promover divergências cumulativas, com taxas de juros reais mais baixas nos países de inflação alta (e, com elas, booms), e vice-versa. Ao atrelar juntos países com instituições e comportamentos econômicos tão diferentes, especialmente na ausência de um processo político compartilhado, o euro poderia causar a separação dos povos da Europa, e não sua integração.

Assim, em 1991 argumentei que "o esforço por unir os Estados pode levar, em lugar disso, a uma forte alta nas fricções entre eles. Se isso acontecer, a decorrência atenderia à definição clássica da tragédia: 'hubris' (arrogância), 'ate' (loucura), 'nemesis' (destruição)".

Segundo, como o euro se saiu? A resposta mais óbvia é que ele sobreviveu, apesar de grandes choques e divisões dolorosas. E o fez porque o custo de uma separação, ou mesmo da saída de países membros isolados, parecem aterrorizantes. Também o fez porque, nos momentos de crise mais profunda, as autoridades fizeram o suficiente para mantê-lo vivo.

Pense na criação das linhas de crédito de emergência da zona do euro, ou na declaração de Draghi sobre fazer "qualquer coisa que seja necessária", em julho de 2012, e na disposição do BCE de usar as ferramentas disponíveis para um banco central moderno.

Como aponta Daniel Gros, do Centro de Estudos Políticos Europeus, "em última análise, a zona do euro sobreviveu porque, nos momentos difíceis, os líderes dos países membros da zona do euro se dispuseram a gastar seu capital político a fim de implementar as reformas necessárias".

Mas sobreviver não é a mesma coisa que sobreviver bem. A zona do euro demorou demais para enfrentar a crise.

Como argumenta o economista Ashoka Mody, esse trama infligiu feridas econômicas, sociais e políticas profundas e duradouras em países vulneráveis. Em lugar de gerar convergência de padrões de vida, o euro permitiu divergência. Os empréstimos bancários entre países da zona do euro despencaram.

A inflação vem sendo persistentemente baixa demais, o que torna muito difícil promover um ajuste dos custos relativos. As políticas contrativas impostas aos países afetados pela crise, somadas aos persistentes superávits alemães e holandeses em conta corrente, conduziram a zona do euro a grandes superávits, e isso levou boa parte do ajuste pós-crise na região a ser exportado.

Terceiro, a zona do euro vai sobreviver? A resposta é provavelmente sim. Três quartos das pessoas da zona do euro favorecem a moeda única —a maior proporção desde 2004. Cerca de 40% dos adultos da região nunca lidaram com outra moeda. O número de membros da zona do euro também continuou a crescer, o que certamente representa um sinal de confiança.

Mas o maior motivo para otimismo quanto à sobrevivência do euro certamente está nas consequências que surgiriam no caso oposto. Dissolver a zona do euro seria imensamente traumático, em termos financeiros e econômicos.

Também ameaçaria a sobrevivência da União Europeia em si, já que ela foi construída sobre uma fundação de integração econômica. O mercado único poderia entrar em colapso. E com ele as possibilidades de um relacionamento cooperativo. Há quem pareça acreditar que a Europa necessita de uma nova dose de nacionalismo agressivo. Mas as pessoas que têm conhecimento histórico sabem o quanto esse bacilo seria letal.

Mas ainda assim, quanto à última questão, será que o euro sobreviverá bem? Gros enfatiza que o histórico da moeda não é tão ruim. Ele aponta, especialmente que "os mercados de trabalho da Europa continental, passaram por uma melhora estrutural que não vem recebendo muita atenção, com a participação na força de trabalho crescendo a cada ano, mesmo durante a crise".

Hoje, a proporção economicamente ativa da população adulta da União Europeia é maior que a dos Estados Unidos. Os índices de desemprego também estão caindo, mesmo nos países mais afetados pela crise. O euro forçou reformas importantes. Tudo isso é significativo.

Mesmo assim, o euro não é, e dificilmente poderá ser, uma "união monetária ótima". Além disso, qualquer forma de união federal entre os países europeus parece descartada. Isso garante que o problema político fundamental —a disjunção entre a responsabilidade da zona do euro pela política monetária e a prestação política de contas que acontece no plano nacional— perdurará.

O necessário, em lugar disso, seriam mudanças que busquem criar uma união "boa o bastante". O compartilhamento de riscos deve funcionar por meio de mecanismos financeiros privados transnacionais.

É por isso que a união dos mercados bancários e dos mercados de capital importa. Reestruturar dívidas precisa ser mais fácil (e mais aceitável). E os ajustes macroeconômicos também precisam se tornar muito mais simétricos.

Em última análise, a zona do euro está condenada ao sucesso. Uma dissolução causaria imenso estrago na ordem frágil construída sobre os escombros do pós-guerra. Quer uma dissolução seja boa ideia, quer não seja, seu custo a torna impensável. Mas o euro não vai ter sucesso —e pode nem sobreviver— se houve complacência. A zona do euro mal sobreviveu a uma experiência quase fatal. Para desfrutar de uma vida longa e saudável, ela precisa mudar substancialmente.

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