Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

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Descrição de chapéu Financial Times Estados Unidos juros

A complicada decisão sobre quando afrouxar a política monetária

Corte na taxa de juros do BCE em breve faria sentido, mas o Fed enfrenta uma decisão mais difícil nos EUA

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Financial Times

O curso da desinflação nunca é suave. No final do ano passado, os mercados futuros precificaram seis cortes na taxa de juros para os EUA em 2024. Minhas próprias expectativas também eram bastante otimistas.

No entanto, agora, após três trimestres sucessivos de inflação persistentemente alta, o presidente do Federal Reserve, o banco central dos EUA, Jerome Powell, adverte que provavelmente levará "mais tempo do que o esperado" para que a inflação retorne à meta de 2% e justifique cortes nas taxas de juros.

As previsões de mercado para cortes nas taxas foram devidamente transformadas. Alguns sugerem que serão adiadas para dezembro, em parte para evitar cortes antes das eleições presidenciais em novembro. No entanto, nenhuma reconsideração semelhante surgiu na zona do euro: o primeiro corte ainda é esperado para junho.

Sede do Banco Central Europeu em Frankfurt, na Alemanha - Heiko Beckers/Reuters

Há lições a serem aprendidas com essa história. Uma delas é a incerteza inerente a qualquer processo de desinflação.

Outra é a dificuldade de interpretar os dados: neste caso, parte da explicação para os robustos números recentes do núcleo de inflação de preços ao consumidor é o chamado "aluguel equivalente de propriedades". No entanto, este é apenas um número atribuído. Ainda não está claro se ocorreu alguma mudança fundamental no processo de desinflação dos EUA.

Uma lição final é que, embora claramente tenha havido alguns fatores comuns no processo inflacionário em ambos os lados do Atlântico, as economias dos EUA e da zona do euro são diferentes: a primeira é muito mais dinâmica.

O último World Economic Outlook do FMI fornece uma comparação quantitativa esclarecedora dos processos inflacionários nos EUA e na zona do euro, derivada da inflação média trimestral anualizada.

A escassez de mão de obra foi muito mais significativa para impulsionar a inflação nos EUA do que na zona do euro e, crucialmente, isso continua sendo o caso.

Ao mesmo tempo, os efeitos de "pass-through" de preços mundiais mais altos, especialmente de energia, foram muito maiores na zona do euro. Isso tornou a inflação na zona do euro mais "temporária" do que a dos EUA. Isso tem implicações para a política monetária.

Dois outros dados ajudam a elucidar o que vem acontecendo. Um deles é sobre a demanda doméstica nominal.

Tanto nos EUA quanto na UE, a demanda nominal agregada caiu muito abaixo dos níveis de crescimento da tendência de 2000-2023 durante a pandemia.

No segundo trimestre de 2020, a demanda nominal estava até 12% abaixo da tendência nos EUA e 14% abaixo da tendência na zona do euro.

No quarto trimestre de 2023, por outro lado, estava 8% acima da tendência nos EUA e 9% acima da tendência na zona do euro (onde o crescimento da tendência também foi mais fraco).

Esse crescimento explosivo da demanda nessas duas economias cruciais deve ter causado choques de oferta, além de meramente acomodá-los. Isso é o passado, no entanto.

No ano até o quarto trimestre de 2023, a demanda nominal expandiu-se apenas 5% nos EUA e 4% na zona do euro. O primeiro ainda está um pouco alto, mas está se aproximando do necessário.

Outro dado relevante é sobre moeda. Continuo tendo a opinião de que essas quantidades não devem ser ignoradas na avaliação das condições monetárias.

A pandemia viu não apenas enormes aumentos nos déficits fiscais, mas também um crescimento explosivo no na moeda disponível. No segundo trimestre de 2020, por exemplo, a relação entre o agregado monetário M2 dos EUA e o PIB estava 28% acima da tendência linear de 1995-2019.

No quarto trimestre de 2023, estava de volta a apenas 1% mais alto. Para a zona do euro, essas relações eram de 19% e -7%, respectivamente. Esses números mostram um enorme boom e queda monetária. No futuro, a pressão desinflacionária pode se mostrar excessiva.

Então, o que precisa ser feito agora? Ao responder a essa pergunta, os principais bancos centrais têm que se lembrar de quatro pontos cruciais.

O primeiro é que acabar com uma inflação bem abaixo da meta é, como já aprendemos até agora, bastante ruim, porque isso arrisca tornar a política monetária ineficaz.

Os bancos centrais devem agir sob a suposição de que as consequências de ser muito rígido podem se revelar quase tão ruins quanto as de ser muito frouxo. Além disso, não é uma questão trivial que o primeiro possa ser particularmente prejudicial para os devedores vulneráveis em todo o mundo.

Um segundo ponto é que a incerteza opera dos dois lados. É verdade que a demanda e, portanto, a inflação podem se mostrar muito grandes, especialmente nos EUA. Mas também pode se revelar muito fraca. As políticas que eliminariam a mera possibilidade do primeiro poderiam tornar o segundo uma certeza.

Assim, embora o objetivo seja levar a inflação à meta, não faz sentido pagar qualquer preço para alcançar esse objetivo: não é infinitamente valioso.

Um terceiro ponto é que existem problemas criados ao se determinar eliminar a própria possibilidade de ter que mudar de rumo.

Se alguém parte do pressuposto de que o primeiro corte na taxa de juros deve ser seguido por muitos outros na mesma direção, o grau de certeza necessário antes de começar será muito grande. O preço de esperar até ter certeza é provavelmente o de esperar por muito tempo.

O último ponto é que ser dependente de dados realmente faz sentido. Mas novos dados importam apenas se afetarem materialmente as previsões do futuro. O que importa não é o que está acontecendo agora, mas o que acontecerá nos próximos meses ou até anos, à medida que a política passada se desdobra no sistema.

Novas informações devem ser vistas por essa perspectiva. Há boas razões para supor que as recentes notícias de inflação nos EUA não são muito significativas. A menos que o Fed esteja razoavelmente confiante de que são, ele deve ignorá-las.

Agora é que as decisões começam a se tornar realmente complicadas. Dois anos atrás, estava claro que a política monetária precisava ser apertada: o risco de entrar em um mundo de alta inflação era muito alto.

Mas agora está claro que o BCE deve começar a flexibilizar em breve. A situação subjacente nos EUA está mais equilibrada. Mas o Fed também não pode esperar para sempre.

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