Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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2022 pode entrar na história como o ano em que 2013 finalmente acabou

Esquerdas de Brasil e França avançam em reconstrução após rupturas e onda antipolítica

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Duas alianças até ontem impensáveis foram seladas neste sábado (7). A esquerda brasileira se uniu na candidatura de Lula, abrindo caminho para uma coalizão ampla do PSOL ao que resta do PSDB tradicional. A francesa celebrou a criação da Nupes, a Nova União Popular Ecológica e Social, um bloco de oposição que reúne a França Insubmissa, comunistas, socialistas e ecologistas.

O evento ofuscou a cerimônia de posse de um novo mandato presidencial do centrista Emmanuel Macron, que ocorreu no mesmo dia. De acordo com as primeiras sondagens, a esquerda unida pode, talvez, obrigar o presidente reeleito a indicar um primeiro-ministro do seu grupo após as legislativas de junho.

Apesar de divergentes em seu escopo e ambição, os dois movimentos carregam semelhanças. Eles tiveram como fiadores as suas lideranças carismáticas, Lula e Jean-Luc Mélenchon, e foram impulsionados pela radicalização da direita.

Luiz Inácio Lula da Silva durante ato de lançamento da candidatura à Presidência do Brasil - Marlene Bergamo - 7.mai.22/Folhapress

O tema da soberania nacional permeou os discursos de seus líderes, assim como o imperativo de resgatar os eleitores desencantados com a política. Mas eles diferem num ponto crucial, que diz muito sobre como os partidos continuam organizando —ou desorganizando— as nossas democracias.

O papel central do PT na nova aliança brasileira surpreende. Depois de virar o principal alvo das ondas antipolítica que surgiram depois dos protestos de 2013, o seu fim foi anunciado centenas de vezes. Diferentes gerações de profissionais e aventureiros políticos apostaram as suas carreiras na conquista do seu espólio.

O fenômeno Lula não explica por si só a sua resiliência. Por um lado, a crise sanitária conferiu nova legitimidade ao Estado social, fortemente associado às formações tradicionais de centro-esquerda. Por outro, diante da falência do PSDB, o PT assumiu o papel de "grande tenda" que abriga todas as correntes democráticas. Para a construção da nova aliança, a sobrevivência do PT foi tão importante quanto o regresso do ex-presidente.

A união da esquerda francesa se articula em cima das ruínas do Partido Socialista, corroído pelas dissidências nas suas alas direita e esquerda. Depois de anos de militância, o ex-ministro Emmanuel Macron criou o seu próprio movimento centrista nos estertores do governo François Hollande.

Senador socialista desde 1986, Mélenchon fez secessão em 2008 e iniciou a ultrapassagem do seu ex-partido pela esquerda. Na sequência do desempenho pífio de Anne Hidalgo no pleito de 2022, que colocou os socialistas em situação de liquidação, ele se encontrou finalmente em posição de impor aos seus rivais a capitulação em temas centrais como a relação com a União Europeia e a instituição de uma nova República.

Com a Nupes, a esquerda francesa completa um processo de ruptura iniciado em 2012 com a primeira candidatura presidencial de Mélenchon. Ela tem uma chance de evitar o destino caótico da sua contraparte italiana, que jamais se recuperou da extinção prematura do Partido Comunista depois do final da Guerra Fria.

No Brasil, assistimos ao movimento inverso. A chapa Lula-Alckmin encerra uma década marcada pelas tentativas de reinventar a política nacional fora do PT. Em alguns meses, 2022 pode entrar na história como o ano em que 2013 finalmente acabou.

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