Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Descrição de chapéu Governo Biden aborto

Decisão dos EUA contra aborto é começo de longa marcha para o atraso

País tem governo que exalta direitos reprodutivos enquanto assiste a conservadores agirem como oIrã

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A cruel abolição do direito federal ao aborto na única nação desenvolvida que carece de sistema de saúde público e amarga uma das maiores taxas de mortalidade materna é apenas o começo de uma longa marcha para o atraso.

Ela abre o caminho para o desmantelamento do arcabouço jurídico que assegura os fundamentos mínimos da justiça social nos Estados Unidos. Junto com o inquérito sobre a invasão do Capitólio, que corre em paralelo à ofensiva da Suprema Corte, a restrição do aborto revela o caráter multidimensional do que vem sendo chamado de "declínio americano".

A cada vez mais evidente derrota na sua "batalha pela alma da América" também enfraquece Joe Biden de maneira decisiva. Se a decisão da Suprema Corte é o resultado de décadas de ativismo judicial dos republicanos, Joe Biden parece incapaz de canalizar a revolta social.

Manifestantes protestam em frente à Suprema Corte dos EUA contra suspensão do direito constitucional ao aborto
Manifestantes protestam em frente à Suprema Corte dos EUA contra suspensão do direito constitucional ao aborto - Jim Bourg - 24.jun.22/Reuters

Seu predecessor Barack Obama pelo menos dissimulava a impotência dos democratas com a sua maestria retórica. Mais importante ainda, os retrocessos institucionais abalam a principal promessa na política externa do governo Biden: "liderar não pelo exemplo do nosso poder, mas pelo poder do nosso exemplo".

A partir de amanhã, os EUA serão conhecidos por ter um governo que exalta os direitos sexuais e reprodutivos nos fóruns internacionais, enquanto assiste aos estados mais conservadores votarem restrições semelhantes às que estão em vigor no Irã.

Um governo que envia o humanista John Kerry para viajar o mundo em busca de novos acordos climáticos, mas que é incapaz de implementar qualquer tipo de medida nessa matéria porque um senador democrata também é barão da indústria fóssil.

Um governo que ataca Moscou pelas violações de direitos humanos na Ucrânia, porém se prepara para reabilitar um autocrata saudita conhecido por ordenar o esquartejamento de um jornalista. Um governo que adora dar notas de comportamento para as democracias da América Latina embora uma parte cada vez maior da classe política local conteste a legitimidade da última eleição presidencial.

Um governo ao leme de uma máquina militar pujante e de uma fábrica social falida, o que condena os seus diplomatas a promoverem um país que está deixando de existir.

A contradição entre o que os EUA pretendem ser e o que eles realmente são, um traço característico do governo Biden, pode ficar resolvida no próximo ciclo eleitoral. Ainda este ano, as eleições de meio de mandato devem confirmar a percepção de que o país vive um novo "momento Carter", em referência ao presidente democrata que serviu de interlúdio entre duas eras republicanas, a de Richard Nixon e a de Ronald Reagan. Com a diferença que, se a radicalização republicana nos anos 1980 se deu na economia, os ataques no futuro atentarão contra a democracia e os direitos fundamentais.

Se a abertura dessa nova era conservadora se confirmar nas eleições de 2024, ela vai colocar em causa, de forma potencialmente irreversível, o lugar da sociedade americana como ideal de progresso no imaginário global.

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