Existem, no campo ocidental, duas interpretações sobre os rumos da Guerra da Ucrânia. A primeira, encampada pelos EUA, o Reino Unido e os países bálticos, sustenta que a paz só pode ser atingida com o enfraquecimento definitivo da Rússia. A outra linha, liderada pelo eixo franco-alemão, que se reforçou depois da reeleição de Emmanuel Macron, defende o pragmatismo nas negociações com a Rússia. Paris voltou a alertar para a necessidade de não "humilhar" Putin, enquanto Berlim vem resistindo à implementação de novas sanções.
O anúncio do pedido de adesão da Finlândia à Otan terá um impacto determinante na definição da posição do Ocidente face à Rússia. Cabe lembrar que a decisão da Finlândia é soberana, popular e inevitável. O presidente da Finlândia, Sauli Niinistö, um dos governantes europeus mais próximos de Putin, é um defensor histórico da neutralidade finlandesa, uma obra de arte da diplomacia que garantiu autonomia e estabilidade a Helsinque durante toda a Guerra Fria.
No entanto, depois da invasão da Ucrânia, as populações europeias, e principalmente dos países do Leste, deixaram de ver a Rússia como um ator racional e burocrático. As imagens de cidades arrasadas e populações massacradas forjaram a percepção de que o regime de Putin é uma ameaça existencial para todo o continente europeu. O apoio da população finlandesa à entrada na Otan disparou de 21% em 2017 para 76% em maio de 2022, e a classe política local não teve outra escolha senão operar uma reviravolta histórica na sua política externa.
Resta que a eventual adesão da Finlândia à Otan é um desastre para os defensores de uma resolução rápida para a guerra. Se ela não tem implicações imediatas, dado que o país já está plenamente integrado no sistema político ocidental, o seu potencial político é explosivo. A incorporação da Finlândia à Otan será vista como uma vitória da linha beligerante de Washington-Londres contra a linha diplomática de Paris-Berlim.
Ela também vai desencadear uma nova corrida a candidaturas por parte de outros países vizinhos da Rússia, como a Geórgia e a Moldova, que também podem alegar a ameaça iminente pelo regime de Putin. Esses desdobramentos vão conferir nova materialidade à tese do cerco militar da Rússia pela Otan, argumento central para a legitimação do conflito nos círculos militares e políticos de Moscou.
Guerras só terminam de duas formas: a destruição de um dos beligerantes ou um acordo negociado. Com o fracasso militar da Rússia no Donbass, as linhas da frente na Ucrânia estão se consolidando, o que poderia criar as condições para um cessar-fogo. A volta do tema do expansionismo da Otan nesse momento decisivo da guerra compromete uma chance rara, senão única, para encontrar uma saída diplomática. As razões que levam Helsinque a solicitar a entrada na Otan são perfeitamente compreensíveis. Mas, quando a Otan ratificar a incorporação da Finlândia, o mundo ficará ainda mais longe da paz.
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