A declaração passou despercebida no Brasil, mas certamente entrará na história da Europa. Na sexta-feira (19), Emmanuel Macron associou os "cataclismas climáticos devastadores" à "guerra que bate às nossas portas". Ele preparou os franceses para "pagar o preço pela liberdade e pelos valores" neste inverno.
A Europa passou pelo verão de todas as angústias. As terras do Mediterrâneo foram varridas por ventos de uma violência sem precedentes, enquanto os incêndios chegaram perto de capitais como Lisboa e devastaram bosques e regiões agrícolas. Todos os recordes de temperatura foram batidos, obrigando as populações vulneráveis a se trancarem em casa por dias seguidos e iniciarem um novo confinamento, desta vez climático. A história da beluga, o animal marinho do mundo polar encontrado à deriva no rio Sena, virou o conto fantástico de uma sociedade atordoada por um verão diferente de todos os outros.
Os efeitos do aquecimento global deixaram a Europa ainda mais vulnerável à ruptura do quase secular arranjo energético da Eurásia. O calor obrigou autoridades francesas a reduzirem a produção dos reatores nucleares pela metade. A seca do Danúbio e do Reno, os rios mais importantes para o comércio fluvial europeu, virou um obstáculo adicional ao aumento da importação de carvão e diesel pela Alemanha.
Desesperadas com a perspectiva de apagões em indústrias e casas, autoridades europeias começaram a implementar todo tipo de medida para reduzir o consumo de energia. A Espanha, por exemplo, proibiu o uso de gravata em prédios públicos e impôs limites à utilização de ar-condicionado pelos comerciantes.
Esses esforços em nada alteraram a previsão de que as contas de luz aumentem até 50% nos próximos meses. Governos europeus devem enterrar fortunas em subsídios e, ironicamente, abolir restrições ambientais para impedir o caos social. Medidas como a restrição da importação de soja ligada ao desmatamento, que visavam o Brasil, foram engavetadas até a próxima ordem.
O pânico dos burocratas é partilhado pela população. A Bloomberg reportou que as buscas na internet por "forno a lenha" dispararam na Alemanha nas últimas semanas. O protesto viral de um sorveteiro italiano devido à conta de luz está longe de ser anódino. Foram pequenas revoltas contra um simples imposto nas emissões de dióxido de carbono que desencadearam os "coletes amarelos" na França.
A desordem política agrava o impasse energético. O governo alemão parece paralisado diante do colapso do seu modelo econômico baseado nas exportações para a China e na importação de energia da Rússia.
Macron via nas hesitações da Alemanha uma oportunidade para a França virar o principal ator geopolítico da Europa, mas a sua governabilidade foi abalada por uma derrota surpresa nas eleições legislativas.
Terceira força do bloco desde o brexit, a Itália se prepara para uma nova era de imprevisibilidade e folclore com a iminente chegada ao poder de mais um subgrupo da sua extrema direita. Sob todos os ângulos possíveis, a Europa se prepara para viver os meses mais difíceis da sua história recente.
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