Os acontecimentos delituosos da última semana mostram que o movimento bolsonarista consegue existir, e até prosperar, nas condições mais adversas. Técnica ancestral do ativismo, o bloqueio dos eixos rodoviários foi uma obra-prima de articulação militante.
Sem essa ação coordenada e integrada, encabeçada por fanáticos que aceitaram assumir riscos físicos e jurídicos da noite para o dia, a extrema direita teria enchido um punhado de praças e se dissipado na indiferença da maioria da população em questão de dias.
O sucesso dessa iniciativa também revela que um dos motores criativos do bolsonarismo é a imitação pela importação no sentido estético, logístico e tecnológico. O movimento da semana passada é inspirado na megamobilização contra as restrições sanitárias do Canadá, quando o "Comboio da Liberdade" bloqueou a capital Ottawa nos primeiros dois meses de 2022.
A extrema direita francesa, que já tinha descoberto o poder da paralisação das estradas durante a rebelião dos Coletes Amarelos, tentou replicar a estratégia um ano depois contra Emmanuel Macron. Outro "Comboio da Liberdade" foi lançado em direção a Paris e Bruxelas em plena campanha presidencial.
Agora, os bolsonaristas aguardam as eleições de meio mandato nos Estados Unidos para definir as próximas etapas da sua resposta às presidenciais. Uma eventual derrota dos democratas na Câmara e no Senado bloquearia as indicações do governo de Joe Biden no Executivo, no Judiciário e até nas embaixadas. Eixos centrais do seu programa ficariam comprometidos, como a implementação de reformas contra as mudanças climáticas e o esforço de guerra na Ucrânia.
A eleição deve marcar sobretudo a chegada ao poder de uma nova geração de republicanos ligada aos novos movimentos de extrema direita. Eles entraram na política com a promessa de desbancar os republicanos tradicionais, que, segundo eles, traíram Donald Trump no processo eleitoral de 2020. O desempenho desses novos deputados e senadores, muito presentes nas redes sociais, vai informar a atuação política dos radicais de todas as democracias.
Nada está decidido. Barack Obama e Biden passaram pela Pensilvânia nesta semana, onde John Fetterman, candidato democrata ao Senado, pode perder para a celebridade televisiva Dr. Mehmet Oz. Na Geórgia, se nenhum candidato obtiver 50%, um novo mata-mata será organizado em janeiro.
Mas os Estados Unidos não são a única democracia onde os sucessos da extrema direita podem servir de referência para o bolsonarismo. Na França, o presidente Macron, que enfrenta uma Assembleia Nacional ingovernável, já está preparando o terreno para uma nova eleição legislativa.
Uma manobra de alto risco, que pode levar à eleição de uma bancada de deputados dominada pela extrema direita, à imagem do que acaba de acontecer na Itália. A multiplicação de presidentes patos mancos é mais um fator a ser levado em consideração na nova estratégia de inserção internacional do Brasil.
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