A intensidade do desligamento do Brasil do sistema internacional nos últimos quatro anos só é equiparável à velocidade do seu regresso desde a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O número elevado de delegações internacionais, as visitas de chefes de Estado e a perspectiva de organizar no país algumas das principais cúpulas globais dos próximos anos fazem de Lula, na qualidade de ex-presidente, o primeiro líder brasileiro empossado com status de líder internacional.
Lula vai descobrir um mundo mais complexo, como tem sido frequentemente repetido, mas também mais parecido com o Brasil. Num ensaio clássico da economia internacional brasileira na era Bolsonaro, Alex Hochuli afirma que a "brasilianização do mundo", ou a premonição de que as potências iriam um dia carregar as contradições raciais, urbanas e econômicas brasileiras, finalmente se realizou.
Quando Xi Jinping e Joseph Biden usam os motes "prosperidade comum" e "reconstruir de novo e melhor", eles estão se apropriando do discurso dos governos de países em desenvolvimento.
A desigualdade, tema quase exclusivo do Sul Global na primeira era Lula, agora tem papel central na evolução dos sistemas políticos das superpotências. Como disse Bruno Latour a esta Folha em 2020, "se o Brasil achar solução para si, vai salvar o resto do mundo".
A pandemia e a Guerra da Ucrânia apenas reafirmaram a importância da política internacional na vida cotidiana. Mas ela precisa ser explicada com qualidade. A era Lula coincidiu com um momento importante do jornalismo internacional brasileiro, com o aumento de correspondentes estrangeiros pelo mundo.
Com o advento das redes sociais, eles começaram a ser tratados como redundantes e até supérfluos. Os cortes levaram os jornais a depender cada vez mais das agências de notícias para a cobertura. Num primeiro momento, tudo parecia funcionar. As redes permitiram a democratização da informação, e jornalistas africanos e asiáticos passaram a ter influência muito maior na cobertura internacional.
A ascensão do autoritarismo, porém, mostrou os limites dessa solução. Precisamos mais do que nunca de jornalistas de excelência para determinar a veracidade dos fatos no terreno, escapar da realidade paralela da internet e, agora, contar a história da nova inserção internacional do Brasil para o resto do mundo.
Cheguei à Folha por acidente. Comovido com os atentados de 2015 em Paris enviei um testemunho à minha futura primeira editora, Luciana Coelho. O mundo estranho de Donald Trump e do brexit abriu o caminho para a coluna. Fui sempre relutante em seguir sugestões, mas acatei o conselho de Fábio Zanini: diversificar. Falei de China, Centro-Oeste, Twitter e Neymar. Mas não cumpri plenamente a promessa e sempre voltei às minhas três obsessões: África, a modernização da esquerda e o futuro da Europa.
Nada disso seria possível sem o editor que me acompanhou por anos, Daigo Oliva, e a minha companheira de uma vida. Estou de partida para Brasília. Deixo a Folha, torcendo para que a cobertura da política internacional, tão importante nos anos Bolsonaro, seja tremendamente fortalecida no próximo ciclo.
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