Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

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Com protagonistas negros e millennials, 'I May Destroy You' é série do ano

Michaela Coel criou, escreveu, dirigiu e protagoniza a atual e forte produção, que discute o consentimento sexual

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Uma sinopse possivelmente resumiria “I May Destroy You” como uma série sobre as aventuras de uma jovem escritora, em Londres, que um belo dia acorda com a vaga lembrança de que foi assediada sexualmente na noite anterior.

De forma até didática, a produção discute a questão do consentimento sexual e presta um grande serviço ao alertar sobre diferentes tipos de violência que mulheres e homens (sim!) podem sofrer.

Mas essa não é, de fato, uma sinopse que faz justiça à série.

Cena da série britânica 'I May Destroy You' - Reprodução/Youtube

Os três protagonistas são negros, típicos millennials envolvidos em relacionamentos sem maior compromisso, muitas vezes se esforçando para fingir ausência de afeto. Reforçando a atualidade, também enfrentam, é claro, situações que resvalam em racismo.

É preciso informar, ainda, que a história contada em “I May Destroy You” é parcialmente autobiográfica. E que uma mesma pessoa, Michaela Coel, criou, escreveu, protagonizou e codirigiu a série.

Coel já foi comparada, por seu brilho e força, e por este multitalento, a outras duas artistas geniais que criaram, desenvolveram e interpretaram séries marcadamente originais e feministas, a americana Lena Dunham (“Girls”) e a também britânica Phoebe Waller-Bridge (“Fleabag”).

Expressiva, Coel vive Arabella Essiuedu, uma jovem famosa no Twitter, que se tornou escritora de sucesso com um livro chamado “Crônicas de uma Millennial de Saco Cheio”.

Quase um trabalho de campo, antropológico, a produção põe o espectador muito próximo do cotidiano de Arabella e de seus dois amigos, Kwame (Paapa Essiedu) e Terry (Weruche Opia).

Falado na velocidade das mensagens enviadas pelo celular, o texto de Michaela Coel é cortante e vai do drama à galhofa em segundos. Os atores entregam performances incríveis. A edição transpira urgência. A trilha sonora é poderosa.

Para um espectador mais velho, longe de ser público-alvo, como eu, “I May Destroy You” é tão espantosa quanto fascinante. Não vi esse ano nada mais atual e forte do que esta série.

No Brasil, está sendo exibida pela HBO, que é coprodutora, junto da BBC. Com 12 episódios, é a segunda série criada por Coel.

A primeira, a comédia “Chewing Gum”, exibida pela Netflix, passou pelo Brasil sem fazer maior barulho, mas rendeu prêmios à atriz. Foram apenas duas temporadas, de seis episódios cada uma, lançadas entre 2015 e 2017, nas quais a protagonista faz de tudo para perder a virgindade.

Coel conta que, em 2017, ao apresentar a ideia de “I May Destroy You” para a Netflix recebeu uma oferta de adiantamento de US$ 1 milhão —um valor impressionante para uma artista então com 30 anos e um currículo ainda modesto.

A proposta não a seduziu. Coel pediu uma participação nos direitos da série, o que a Netflix disse não ser possível. Na sequência, ela rompeu contrato com a agência que a representava nos Estados Unidos, que fez pressão para que aceitasse o acordo.

Coel contou ao site Vulture que, em conversa com uma executiva graduada da Netflix, disse que queria 5% de participação nos direitos da série. Após ouvir a recusa, ela começou a barganhar o percentual, até chegar em 0,5%.

Foi quando, segundo ela, a executiva disse: “Michaela? Eu só quero que você saiba que estou realmente orgulhosa de você. Você está fazendo a coisa certa”. E desligou o telefone.

A BBC, alguns meses depois, deu a ela controle criativo total e, como ela queria, os direitos sobre o trabalho. E Coel nos premiou com o que parece ser uma das grandes criações audiovisuais de 2020.

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