Mauricio Stycer

Jornalista e crítico de TV, autor de "Topa Tudo por Dinheiro". É mestre em sociologia pela USP.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mauricio Stycer
Descrição de chapéu mídia jornalismo

Roberto Marinho forjou estilo combativo ainda na infância, aponta livro

Perfil escrito por Eugênio Bucci dedica páginas para 'pancada inaugural' que outros biógrafos pouco destacaram

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Roberto Marinho tinha seis anos quando foi agredido por um colega de escola, um certo Mongaguá, com um soco forte, que o derrubou. É a "pancada inaugural", como diz o título do primeiro capítulo do recém-publicado perfil biográfico do empresário, de autoria de Eugênio Bucci ("Roberto Marinho", Companhia das Letras, 334 págs., R$ 84,90).

"No dia em que foi a nocaute, o aluninho do Paula Freitas se transformou e entendeu de uma vez o sentido da palavra coragem", registra Bucci. O episódio merece seis páginas do livro e é retomado no último parágrafo do capítulo final, coroando a narrativa. "Foi a memória oculta, inconfessa, da criança nocauteada que o impeliu para o combate".

O jornalista e magnata da mídia Roberto Marinho, do Grupo Globo, morto em 2003 - Reuters

Leonencio Nossa, o principal biógrafo de Marinho ("O Poder Está no Ar") não dá maior atenção ao assunto —"o aluno se tornou um criador de casos e brigas com os colegas", resume. Pedro Bial, o biógrafo oficial ("Roberto Marinho"), dedica 11 linhas ao caso, registrando o soco e a revanche, cerca de 15 anos depois.

A fonte dos três autores são anotações que Marinho pôs no papel pensando em escrever uma autobiografia ("Condenado ao Êxito"). Falando de si na terceira pessoa, o empresário anotou que, um dia, em Copacabana, reconheceu o colega que o agredira.

"Desferiu em seguida uma série de socos e chutes, aplicados com furor e técnica, que deixou o tal sujeito arriado, quase desfalecido na calçada. Tudo isso sem dizer uma palavra. Quando se deu por vingado e recompensado, afastou-se sem pressa."

Bucci vislumbra: "Bater foi prazeroso. Mongaguá despencou. De alma lavada, a criança indefesa do colégio Paula Freitas tinha se transformado num rapaz alinhado, namorador, bon vivant, vaidoso e violento. Já não tremia na hora do coice". Diferentemente de uma biografia, que busca o retrato mais completo possível, o perfil costuma ser uma tentativa de propor um desenho a partir da escolha de alguns traços que o autor julga definidores. Não cabe tudo.

Bucci, creio, foi bem-sucedido no seu esforço. Certamente será criticado por deixar de lado ou minimizar alguns problemas essenciais, mas enfrentou tópicos sensíveis, como o impulso que a Globo registrou durante a ditadura militar e a fidelidade de Marinho ao regime até o fim. Assim como a sua habilidade em continuar influindo e se beneficiando do poder na transição para a democracia.

Não há muita novidade factual em relação aos livros publicados antes, mas Bucci apresenta reflexões originais. Ao tratar da grave crise que levou à moratória da empresa, em 2002, o autor mostra como os filhos de Marinho, então no comando, agiram preocupados em preservar a credibilidade do grupo.

"Nesse ponto, os filhos se diferenciavam do pai. O velho Roberto Marinho não tinha uma compreensão elaborada desse conceito abstrato que leva o nome de credibilidade. Para o pai, o segredo do sucesso da Globo passava por um bom trânsito com o poder político e uma dose superior de arte e engenho para agradar a classe média."

Compreensivelmente restrito ao personagem, que morreu, aos 98 anos, em agosto de 2003, Bucci não avança na análise sobre a Globo pós-Roberto Marinho. Mas não deixa de ser sugestivo que tenha dado tanta importância ao episódio do nocaute no colégio.

Num ambiente de disputa global, o maior grupo de comunicação do país hoje parece uma criança pequena diante de alguns rivais muito maiores. Os desafios são complexos, e o cenário não parece favorável à empresa brasileira. Coragem certamente será uma qualidade indispensável a Paulo Marinho, neto de Roberto Marinho, que assumirá a presidência da empresa em 2022.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.