Mais do que qualquer outro evento esportivo de alcance mundial, os Jogos Olímpicos construíram a imagem de ser um território protegido da exploração comercial desenfreada. Trata-se de uma reputação que não corresponde integralmente à realidade, mas conta com bons motivos para justificá-la.
É indiscutível que o espectador de um evento olímpico está muito menos exposto a marcas de produtos ou nomes de empresas do que numa Copa do Mundo de futebol, por exemplo. Isso vale tanto para quem está num estádio quanto vendo pela televisão.
A imagem pública dos Jogos Olímpicos é tão positiva que, mesmo com as muitas restrições impostas pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) às marcas e à mídia, não costumam faltar investimentos pesados de empresas interessadas em se associar ao evento.
Para surpresa de muita gente, o COI flexibilizou algumas de suas regras em 2024. A generosa exposição dos baús da Louis Vuitton na cerimônia de abertura e as selfies com celular Samsung nas cerimônias de medalhas mostraram uma fissura num território até então guardado com unhas e dentes.
A vida, porém, continua difícil para os chamados influenciadores. Uma festejada ação de marketing planejada no Brasil mostra como não é nada fácil tirar uma casquinha do prestígio acumulado pelo Jogos Olímpicos.
A ação, batizada como Paris é Brasa!, reúne a agência de marketing Play9, o Comitê Olímpico do Brasil (COB) e o YouTube. Sob esse guarda-chuva, mais de uma dezena de "produtores de conteúdo" gravam vídeos com comentários aleatórios, relacionados ou não aos Jogos, e os divulgam nas redes sociais.
Cada um focado no seu nicho específico, esses "influencers" foram enviados a Paris com a missão de agradar seus seguidores fazendo o que bem entenderem.
Estou há uma semana acompanhando as publicações dessa turma no Instagram e só vejo espuma. Nada sobre nada, com alguma imagem de Paris ao fundo. Claramente, não sou público-alvo de nenhum deles.
Sendo autênticos, muitos desses "criadores de conteúdo" parecem turistas extasiados. Suponho que esta é uma imagem que deve corresponder à expectativa dos que os seguem.
Entre os muitos participantes da ação, dois conhecidos jornalistas, Tino Marcos e Fátima Bernardes, ambos com longas carreiras na Globo, estão emprestando seus nomes para dar um lustro a esta produção de espuma.
Um dos mais experientes repórteres esportivos do país, Tino Marcos acompanhou a seleção brasileira em oito Copas do Mundo e esteve em seis Jogos Olímpicos. Como parte do time Paris é Brasa!, tem feito vídeos publicitários de marcas que estão entre os patrocinadores da operação comercial e algumas curtas entrevistas ou comentários sobre brasileiros ganhadores de medalha.
Igualmente experiente, com traquejo para o entretenimento, Fátima está se virando nos trinta para produzir algum conteúdo. Assim como Tino, também está promovendo um fabricante de remédios, entrevistou a skatista Rayssa Leal e, na falta de outra opção, a jogadora de vôlei Carol Gattaz, que não está competindo nos Jogos.
Sem direitos de exibir as imagens das disputas esportivas, os jornalistas transformados em influenciadores são obrigados a gravar vídeos "nos arredores", com baixa temperatura, que não influenciam muita gente. Graças ao acordo com o COB, conquistaram o prêmio de consolação de falar com alguns atletas brasileiros ganhadores de medalhas na Casa Brasil, no Parc de la Villette.
Segundo um site especializado em marketing, a ação comercial Paris é Brasa! representa "uma nova era na cobertura de eventos esportivos, combinando o poder das redes sociais com a paixão pelo esporte". Durma-se com um barulho desses!
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