Mauro Calliari

Administrador de empresas pela FGV, doutor em urbanismo pela FAU-USP e autor do livro 'Espaço Público e Urbanidade em São Paulo'

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Do alto da nova roda-gigante, beleza e contradições de São Paulo

Depois de Londres, Rio de Janeiro e até Paris, a febre das rodas-gigantes chega a São Paulo com vocação para cartão postal

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Toda grande cidade tem monumentos como símbolos. Paris tem a Torre Eiffel. O Rio tem o Cristo Redentor. Londres tem o Big Ben. Mas todas essas se empenharam em criar suas rodas-gigantes e elas ganham espaço no imaginário dos turistas.

A London Eye já atrai mais de 4 milhões de turistas ao ano. Tóquio, Las Vegas, Xangai, Singapura, em todo mundo, em vez de subir num mirante, as pessoas parecem estar gostando mesmo é de girar, ver a cidade e voltar à terra.

Visão de dentro de uma das cabines da Roda Rico, roda-gigante inaugurada no último dia 9 de dezembro na zona oeste de São Paulo; com 91 metros, ela é a maior da América Latina - Mauro Calliari/Arquivo Pessoal

Na semana passada, começou a funcionar em São Paulo, a Roda Rico. O nome estranho é por conta dos naming rights de um patrocinador e fica no parque Cândido Portinari, que é praticamente um enclave do Villa-Lobos, na beira do rio Pinheiros.

A roda é alta mesmo e marca a paisagem, mas não a ofende, ao contrário. Com 91 metros, não é muito mais alta do que os prédios sem graça que se vê no entorno. Por comparação, a roda, com seus estaios (os aros que parecem de bicicleta), ganha até uma leveza inesperada para quem vê de longe.

Fui visita-la na quarta (14). Imaginava encontrar uma estrutura monstruosa dominando a paisagem e infernizando a vida de quem está no parque, mas a visita foi bem agradável. Compra-se ingresso pela internet, o preço não é mais alto que um cinema, a cabine para oito pessoas é confortável e a vista faz pensar muito na cidade.

Os contrastes de São Paulo vistos do alto

Há poucos lugares públicos com boa visão de São Paulo do alto. A vista mais surpreendente é a da Pedra Grande, subindo do Horto Florestal. Ali, a cidade parece flutuar no verde da Cantareira.

Já no centro histórico, a sensação é outra. Do alto do Santander ou do Martinelli, os prédios, as pessoas e os barulhos evocam o sonho de um futuro e um presente nebuloso. No local da nova roda gigante, há um hiato urbano, um horizonte generoso e a cidade aparece como uma soma de contradições.

Logo ali embaixo, o rio Pinheiros é uma testemunha loquaz das transformações urbanas. Antes, seus meandros corriam soltos em direção ao Tietê, banhavam alguns clubes e enchiam suas várzeas nas cheias. Retificado, deu marcha a ré para jogar água na Billings e gerar energia elétrica.

Com o tempo foi ficando tão poluído que isso foi proibido. Hoje é quase um lago, mas está menos mal-cheiroso e menos sujo após o início de uma megaoperação da Sabesp de ligação de esgotos na região de seus afluentes. Ao lado do rio, dá para ver a raia Olímpica da USP, com águas mais claras e limpas.

O rio separa realidades muito distintas. De um lado, vemos o Alto de Pinheiros, um bairro de casas grandes e arborização generosa, onde têm residências um ex e um futuro presidentes. Do outro lado, a favela do Jaguaré, densa com as casas mal-acabadas, amontoadas. Verde e cinza.

Outro contraste é menos visível: a quantidade de espaços que estão fora da gestão municipal. De um lado, o parque Villa-Lobos, estadual, do outro, a USP, uma universidade estadual, com prefeitura e regras próprias. Mais à frente, a Ceagesp, que é de propriedade da União.

Rio Pinheiros visto de dentro de uma das cabines da Roda Rico, roda-gigante inaugurada na zona oeste de São Paulo - Mauro Calliari/Arquivo Pessoal

A contradição na mobilidade aparece aos pés da roda. Ao lado dos trilhos da CPTM, 16 pistas para carros, com direito a um viaduto que afundou alguns anos atrás e trouxe caos à cidade. A novidade é a ciclovia, que vai ganhando gente —já são quase 140 mil por mês, mas que, como meio de locomoção, ainda fica devendo conexões para os dois lados do rio.

A reflexão sobre os transportes termina com a visão de uma calçadinha esquálida ao lado dos carros da Marginal, por onde se esgueiram os pedestres que saem da Estação Jaguaré para ir trabalhar no Shopping Villa-Lobos, um quilômetro abaixo.

Há mais, muito mais a ver. Cada um vai encontrar seus pontos preferidos e encontrar suas próprias visões. Na nossa cabine, dois simpáticos estudantes tentavam avistar o relógio da USP e depois alguém se lembrou da sopa de cebola de madrugada e todos se voltaram para a Ceagesp. Dá ainda para ver o Jaraguá, a Cantareira, o espigão e muito verde, inclusive o Butantã e o próprio parque Villa-Lobos aqui embaixo, que já foi um lixão e virou um dos mais visitados da cidade.

Quando a volta termina, o pessoal se volta para os carrinhos de comida. Também há uma loja de souvenirs, que aposta nas canecas, chaveiros e camisetas com o logotipo da roda.

Quem está no parque não encontra grades nem muros. Conversei com a arquiteta Adriana Levisky, responsável pelo projeto de implantação. Ela acha que a roda é um posto de observação privilegiado e que pode receber estudantes que vão aprender algo sobre a cidade e sua história.

Uma palavra sobre a concessão. Claro que o poder público não tem que construir rodas-gigantes, mas a concessão permite que a cidade arrecade alguma coisa com as iniciativas que usam espaço público. No caso, serão R$ 140 mil por mês, ou, se tiver mais receita, 10% do total arrecadado.

Durante os dez anos de contrato, a empresa responsável pela gestão do projeto tem que manter um padrão de qualidade para os usuários e projeta até um milhão de visitantes por ano.

Pessoalmente, acho que o Masp, o Martinelli, Anhangabaú, o Pacaembu, o Ibirapuera ou a Paulista serão sempre os representantes da nossa memória urbana, mas a cidade está sempre mudando. Se a nova roda estaiada pelo menos substituir a ponte estaiada no imaginário coletivo, já terá sido um ganho para cidade.

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