Mônica Bergamo

Mônica Bergamo é jornalista e colunista.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Mônica Bergamo

'Polarização política é uma perda de tempo', diz Irene Ravache

Atriz diz que antes o Brasil tinha 'um presidente sem escolaridade' e 'agora, nós temos um presidente tosco'

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A atriz Irene Ravache

A atriz Irene Ravache Marlene Bergamo/Folhapress

A atriz Irene Ravache já interrompeu uma peça para expulsar um homem que estava sendo inconveniente na plateia. “Acende a luz. Você. Isso, você. Saia. Saia já!”, diz ela, lembrando o que falou ao espectador no espetáculo —ela não recorda o ano exato em que o episódio ocorreu. “Nossa! As pessoas aplaudiram muito.”

O diretor Elias Andreato reforça o coro e conta que já presenciou uma dura da atriz no público. “A peça tinha acabado. A Irene botou a cabeça por baixo da cortina, chamou uma senhora que estava sentada na primeira fileira e disse: ‘Não chupa bala! Na primeira fila não pode chupar bala!’ Tive um acesso de risos”, lembra ele.

A cena foi relatada por Andreato durante a conversa da atriz com a coluna, em São Paulo. Os dois estavam no escritório dela, no bairro de Santa Cecília, ensaiando o monólogo “Alma Despejada”, que estreia na quarta (18). A peça é dirigida por ele.

Aos 75 anos, Irene não vê problema em envelhecer. “Eu não penso muito nisso”, diz. 
“Se perguntassem sobre envelhecimento para as minhas avós, elas iam olhar e falar: ‘Está louca? Você vai envelhecendo e pronto’.” 

Ela não acredita que há menos papeis e oportunidades para atrizes no mercado conforme elas vão envelhecendo. “A hora que parar de surgir papel feminino para mim, eu faço o masculino”, afirma.

Irene acumula 56 anos de trajetória. Ela descobriu que queria se tornar atriz depois de assistir a uma peça aos 16 anos. “Queria ficar ali [no teatro]. Tinha achado a minha turma. Sabia que ia me dar bem com eles”, conta. 

“Os artistas da minha geração têm uma vantagem”, avalia a atriz. “Não tínhamos sobre as nossas cabeças uma espada chamada sucesso. Ninguém tinha a obrigação [de ser famoso], isso não existia como conhecemos hoje”, completa.

“O que tinha eram etapas e tarefas a cumprir. Ninguém achava que já ia entrar e pegar o mesmo papel que a Dulcina de Moraes [atriz experiente que morreu em 1996]. Como é em qualquer faculdade, né? Você não entra em arquitetura achando que no terceiro mês estará ao lado Oscar Niemeyer. Você vai camelando.” 

Para ela, a necessidade de ser bem-sucedido virou um “ingrediente que é falsamente vendido como necessário para você ser um bom profissional”. “[Atualmente] Se você não está em evidência, então você não é [ninguém].”

 

Irene diz que não consegue definir o que é cultura nos dias de hoje. “Ela tem várias interpretações. A gente até fica um pouco receoso de definir, porque agora tudo é cultura, né?” . 

Ela passou a refletir sobre isso quando, há uns dois anos, circulou em redes sociais um vídeo com uma performance de artistas que ficavam nus.

“Um enfiava o dedo no cu do outro. E aí vi que não sabia classificar aquilo [risos]. Além de achar de uma inutilidade, uma bobagem. Sempre quando vou ao teatro fico pensando: ‘Isso [obra] me serve para quê?’”, explica. Mas ela afirma não se tratar de “um julgamento moral”. “O cu é seu, o dedo é seu para fazer o que quiser. Acho interessante aquilo ser interpretado como uma obra cultural.”

“Mas nunca pensei que ao dizer ‘Isso está tão longe de ser uma obra cultural’ as pessoas iam responder ‘Nossa, como você é preconceituosa!’. Olha, eu não entro em… Já discuti muito, já fui muito briguenta na vida, mas não faço mais isso. Não vale muito a pena”, segue. 

Irene também deixou de discutir sobre política. “A esquerda tal como eu a conheci acabou. A esquerda hoje dorme com o inimigo”, discorre. “Fiquei muito feliz quando o Lula ganhou as eleições [pela primeira vez]. E fiquei de luto, doente, enojada, quando veio o mensalão. Então me sinto à vontade para falar tanto de uma fase quanto da outra.”

Irene critica a polarização política que tomou o país nos últimos anos. “É uma perda de tempo. As pessoas podiam somar forças, não é? E fazer coisas melhores do que ficar se dividindo.”

Ela não votou para presidente nas últimas eleições —diz que foi a primeira vez que fez isso em sua vida. “O meu dedinho não queria ir nem para aqui e nem para ali [na urna]. É meu direito não querer escolher nenhum dos dois”, afirma.

“A primeira palavra que me vem [à cabeça] é desânimo”, diz ela sobre o governo de Jair Bolsonaro. “A cada declaração dele, olho com desconfiança e com medo. Recuo. Como cidadã, vou ficando mais recolhida e, como artista, estou tomando cuidado para não desaparecer.” 

“Nós já tivemos um presidente que não tinha escolaridade, cometia erros de português”, diz a atriz referindo-se ao ex-presidente Lula. “Agora, nós temos um presidente tosco. E a gente vai se acostumando. E [as pessoas] vão achando ‘Ah, nós somos tupiniquins, tropicais e é assim mesmo’. Não, não é para ser assim”, completa.

Ela diz que participou de manifestações contrárias ao PT no último ano e que tem uma camiseta com uma estampa do rosto do ministro Sergio Moro acompanhada da frase “Moro me representa”. “Em muitas coisas sim, ele me representa. Ele vai atrás dos bandidos”, diz. 

A divulgação pelo site The Intercept Brasil de mensagens que mostram colaboração entre o então juiz Moro e o procurador da República Deltan Dallagnol, da força-tarefa da Operação Lava Jato, não afetaram a imagem que Irene tem de Moro. 

“Ele podia ter sido mais profissional. Mas isso não tira dele o mérito. Quanto dinheiro já voltou para o Brasil?”, diz, referindo-se ao dinheiro a ser devolvido aos cofres públicos por empresas que firmaram acordos de colaboração e leniência no âmbito da Lava Jato. 

Irene tem dois filhos, três netos e é casada com o editor Edison Paes, seu segundo marido. Os dois estão juntos há mais de 45 anos, mas foi só em 1994 que eles oficializaram a relação. “A gente ia batizar o nosso neto mais velho [o ator Cadu Libonati] e o Edison resolveu que a gente podia casar também. Ele me disse: ‘Você não vai ser uma avó solteira, né?’ [risos].”

Ela diz que se pudesse mudar um aspecto de sua trajetória, teria se dedicado mais aos seus filhos durante a infância deles. “Acho que todas as mulheres gostariam de ficar mais tempo com seus filhos. É bom para a mãe e para a criança”, reflete. 

Se ela tem arrependimentos? “Todos os dias!”, reflete. “Desde as coisas mais simples. Se desse para a gente se reinventar todos os dias e acordar com uma nova alma, como dizia Fernando Pessoa...”

A atriz se diz “cada vez menos sociável”. “Gosto de ficar mais reservada. Por quê? Ah, idade. Cansa. Já fiz de tudo. Já me maquiei muito, já usei muito salto e já badalei”, conta. “Mas não sou uma velhinha saudosista. Sou recolhida [risos]. Amo aquela frase do [cantor] Belchior: ‘O novo sempre vem’. E graças a Deus, ele vem.”

Irene diz sentir curiosidade sobre a morte. “É que nem dar o terceiro sinal [no teatro, que indica o início do espetáculo]. Todo dia, no terceiro sinal, você não sabe o que vai acontecer. Pode ter ensaiado, ensaiado, ensaiado. Mas só na hora você descobre como vai ser.”

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.